Se não Renunciar a Tudo

25/6/2005

Da mesma forma, qualquer de vocês que não

renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo.

Lucas 14:33

Jerede sentava perto de seu barco, tirando nós da sua rede. O sol da tarde queimava suas costas por entre a malha de sua túnica. A não ser pelas ondas quebrando nas margens, tudo estava quieto. Havia algum tempo que a maioria dos pescadores tinha ido para casa.

Quando sentiu que uma sombra caiu sobre ele, virou o pescoço para olhar por trás de si. Contra o céu brilhante, Jerede conseguia ver o formato escuro de seu tio Lemuel. Ele engoliu seco. Lemuel não estivera por perto desde seu encontro desagradável com Jesus na sua casa quase um mês atrás.

—Oi, Jerede—Lemuel disse em tom baixo. Ele deu a volta pelas redes espalhadas nos pés de seu sobrinho—Ouvi que poderia achar você aqui.—Olhou dentro do barco vazio, tentando criar uma conversa ­—Os peixes foram poucos hoje?

Jerede acenou com a cabeça.—É, mas isso não é tão fora do comum esses dias.—Pausou, e então levantou o olhar—Então, como você está, Tio Lem? Mãe e Nana têm sentido sua falta bastante. Estão preocupadas com você.

Lemuel tentou disfarçar e com tom de despreocupado disse—Só elas, hein?

—Não. Todos nós sentimos sua falta.—Jerede deu uma risadinha.—Não é o mesmo sem suas histórias de camelos saindo correndo na Síria ou de desabamentos de pedras no Negev.

Lemuel sorriu. Ele sentou-se no lado do barco e encheu seus pulmões com o ar fresco vindo do lago.—É, bem, acho que as coisas recentemente não estão tão interessantes para um bom conto. Tenho estado mais na Galiléia. E você? Como está indo?

Jerede chacoalhou sua cabeça ao rir com o pensamento de suas próprias experiências recentes.—Eu acho que tenho feito um bom trabalho em entreter todos com minhas próprias histórias: como remar até as margens com um só remo, como perder metade de sua pesca ao cair fora do barco, como pescar no escuro quando esqueceu as tochas.

Lemuel também chacoalhou sua cabeça, mas não estava sorrindo. Parecia estar… triste.

—Sim, bem, não é estranho, vendo que está sozinho. Ouvi que Esdras também foi para Jerusalém com seu pai. Você foi deixado para trás com uma tarefa difícil—ele ficou de pé, tentando decidir como continuar; então tirou algo de dentro de seu manto.—Aqui, eu trouxe algo.—Ele agachou em frente de Jerede para cortesmente deixar uma bolsa pesada com o som de muitas moedas.

Jerede estava surpreso.

—Eu sei que seu pai não quer meu dinheiro, mas, Jerede, com certeza não seria fora de questão pelo menos providenciar para minha mãe. Você pode arrumar um bom médico para ela?

O coração de Jerede doía. Ele sempre estimara seu tio. Mas depois que Lemuel rejeitara Jesus as coisas se tornaram dolorosamente complicadas. E mesmo assim doía-lhe vê-lo doendo.

—Use o que precisar para cuidar dela,—Lemuel continuou sinceramente—e o resto para fazer o que você achar melhor.

Jerede trocou o seu peso para a outra perna, desconfortavelmente. Ele baixou o olhar para a bolsa de dinheiro.

Toma! Eu sei que você precisa—seu tio disse seriamente.—Jerede, eu vi Ashira na feira semana passada. Ela parecia uma indigente. Certamente aquele Jesus de seu pai não quer que as coisas caiam aos pedaços na sua casa.

Finalmente, Jerede pegou a bolsa de dinheiro. Se colocando de pé, encarou Lemuel. Ele colocou a bolsa de dinheiro nas mãos de seu tio.—Desculpe, tio. Concordo com meu pai. Não acho que devemos aceitar seu dinheiro quando você tem tomado uma posição clara contra Jesus.

Lemuel suspirou fortemente. Relutantemente, ele colocou a bolsa de dinheiro de volta em seu manto. Olhando para Jerede atentamente disse—Então, qual é o seu plano? Certamente não vai sair por aí seguindo Jesus pela Judéia e Galiléia. Não é hora de começar a achar uma profissão decente?

Jerede levantou o olhar, enrugando as sobrancelhas e tentando prever a direção que a conversa tomaria.

—Você nunca foi um pescador—seu tio disse.—Você tem a mente e talentos de um comerciante. Você pode ser meu aprendiz, Jerede. Para mim, o que você crer sobre Jesus não precisa nos separar. Ainda dá para ser um comerciante. Estou indo para Grécia amanhã. Quer vir comigo?

A mente de Jerede estava a mil. Não fora esse seu sonho desde a infância?! A hora finalmente chegara. “Eu preciso decidir.” Ele sentou-se devagar outra vez entre as redes entrelaçadas.

Seu tio agachou-se na frente dele, esperando uma resposta. Seus olhos estavam esperançosos.

—Tio,—Jerede começou vagarosamente—minha vida inteira eu teria facilmente seguido você para qualquer lugar, especialmente em uma daquelas aventuras de negócios. Eu sou tão desajeitado com as redes, e gostaria tanto de prover melhor para todos.—Ele pausou tentando achar palavras—Mas desde aquele dia que escutei Jesus no nosso pátio, estou começando a pensar de outra maneira.

Lemuel, ouvindo, esqueceu das suas roupas finas e reclinou-se na areia.

—Estou percebendo que não sou quem pensava ser—Jerede disse, tentando achar palavras.—Pensava que era uma pessoa boa e que me importava com Deus e com as outras pessoas. Mas não era assim. E não sou. O meu futuro e os meus desejos eram o que mais importava para mim. Mas agora, penso que Jesus está pedindo que eu negue tudo isso.

—Me escute, Jerede,—a voz de Lemuel aumentou com desespero—você ainda pode fazer a vontade de Deus ao fazer o que é melhor para você e sua família. Uma viagem de um mês poderia prover para sua casa por um ano inteiro! Um mês e você estará de volta com um pouco de dinheiro para manejar.

Os olhos de Jerede arregalaram-se. “Será que era isso mesmo?”

Agarrando o braço de Jerede, Lemuel olhou intensamente nos olhos dele—Com certeza Jesus não quer que escolha entre ele e cuidar de sua família. Um homem pode fazer os dois. Você pode ter um trabalho decente e servir a Deus.

Algo veio sobre Jerede como uma onda. “Adore o Senhor, o seu Deus, e sirva a Ele somente” Ele repetiu em voz alta, começando a entender o significado—Adore o Senhor, o seu Deus, e sirva a Ele somente.—Lemuel o olhou confuso.

—Tio, se eu vou servir a Deus, as paixões de meu coração não podem estar divididas. Não posso ser o dono dos meus próprios sonhos! Não é sobre isso, nem sobre o bem estar físico da minha família. Estou começando a ver que Deus tem um propósito bem maior para cada um de nós. Não entendo muito ainda, mas quero seguir Ele. E não quero que nada me distraia ou me pare. Não me importo se preciso pescar até o dia que morrer. Não que uma outra profissão ou trabalho não seja possível, e ganhar mais dinheiro provavelmente não seja ruim também. Mas, se eu entender Jesus corretamente, é o porquê que faço as coisas que importa. E você está me pedindo para tentar conciliar as duas coisas ao invés de buscar somente Ele com todo meu coração. Quem sabe? Talvez seja o plano de Deus para mim um dia me tornar comerciante… Mas por enquanto, vou ficar aqui… até eu ter certeza.

Lemuel ficou mudo. Ele levantou-se, rigidamente, como se estivesse com dor. Jerede também levantou-se do chão. Os dois homens encaravam um ao outro na praia. O rosto de Lemuel vermelho de frustração; o de Jerede resplendente com uma nova convicção.

—Então agora você, Jerede! Jogando sua vida fora tão jovem, tão promissor—ele respirou fundo e soltou um suspiro exasperado.—Eu tinha muita esperança investida em você.

Jerede viu lágrimas cintilando nos olhos de seu tio.

—Ele não é um Messias.—Lemuel cochichou amargamente.—Ele não resgata Israel. Ele a divide, destruindo famílias e vidas de jovens que poderiam ter prosperado.—Ele olhou para Jerede pela última vez. E então, com muita mágoa, vagarosamente saiu andando.

Jerede lembrou partes e pedaços de algo que ouvira Jesus dizer e que o tinha deixado confuso. “Não pensem que vim trazer paz à terra.” Jesus dissera. “Mas a espada. Pois eu vim para fazer com que o homem fique contra seu pai, a filha contra sua mãe. Os inimigos do homem serão os da sua própria família. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a Mim não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz e não Me segue, não é digno de Mim.” As palavras de Jesus estavam começando a fazer sentido.

Jerede disse baixo, quase para si—Desculpe por você não conseguir entender, tio.—Com Lemuel se foram todas as esperanças e sonhos da infância de Jerede. Mas a lágrima que agora silenciosamente caia da bochecha de Jerede não era para si próprio. Era para aquele que provavelmente nunca voltaria.

Jerede virou-se e encarou as ondas do mar quebrando. Uma brisa soprava pelo seu cabelo e no seu rosto bronzeado. “O que será que essa nova vida trará?” Seu futuro agora estava tão obscuro quanto as margens nebulosas do outro lado do lago. Mas estava tudo bem. Mesmo que estivesse um pouco triste por seu tio, ele sabia que estava fazendo o que era certo, e seu coração estava seguro com uma paz que satisfazia.

De repente, uma voz do outro lado da praia o pegou de surpresa—Ei!—Jerede! Jerede virou para ver Esdras correndo em sua direção.

—Esdras! Você voltou!—Jerede também começou a correr. Eles se encontraram e se abraçaram.—Você está sozinho. Meu pai… e Jesus… eles estão vindo?

Esdras chacoalhou sua cabeça.—Eu voltei mais cedo com alguns outros. Meu pai e Elizabete e todos vocês estavam na minha mente esta semana inteira. Eu precisava voltar e eu queria contar para todos vocês… Ah, Jerede…—ele parou, sem outras palavras.

Os dois riram.

—E eu também tenho algo para dizer—Jerede disse. Ele olhou por cima de seu amigo em tempo para ver seu tio chegar ao topo do morro e desaparecer de vista.

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