Será uma Pedra de Tropeço

30/8/2005

…mas será uma pedra de tropeço,

uma rocha que faz cair.

Isaías 8:14

Pensamentos giravam dentro de Esdras enquanto ponderava todas as coisas desafiadoras que vira de Jesus nos poucos dias em que Ele estivera em Cafarnaum. “O que Jesus vai fazer agora? Tanta convicção parece soar de cada palavra e ação dEle e ao mesmo tempo Ele não é o que esperávamos.” Jesus, Sua mãe, Seus irmãos, Simão e vários outros já tinham partido para a celebração da Páscoa em Jerusalém alguns dias antes. O pai de Esdras, Jessé, insistira que Esdras fosse também esse ano. Esdras decidira ficar por somente mais uma noite para pescar antes de ir. Ele queria ter certeza que seu pai e sua irmã estariam bem supridos durante sua ausência. Finalmente, a insistência do seu pai o empurrou na direção de Jerusalém acompanhado por Jairo, um amigo de confiança e líder na sinagoga.—Você deve ir, filho!—seu pai dissera.—Veja se os líderes da nossa nação afirmam que esse Jesus é o Messias verdadeiro.

De repente, gritos altos vindo de trás interromperam os pensamentos de Esdras.

—Para a esquerda!

—Saia do caminho!—berrou outro.

—Esdras! Rápido! Aqui!—Jairo urgentemente apontou para o lado da rua. Depois correu à frente para ajudar um homem mais idoso sair do caminho de perigo.

Com protesto e irritação, a caravana de pessoas, animais e suprimentos encostou para a esquerda. Esdras olhou para ver o que estava causando a agitação. Era exatamente o que esperava. Legionários romanos passaram cavalgando, levantando nuvens de pó e desaparecendo na distância.

—Quando tempo, ó Senhor, até você nos libertar desses pagãos arrogantes?—alguém perto de Esdras lamentou.

—Talvez o homem Jesus seja a resposta para nos salvar desses perversos invasores e opressores—adicionou outro.

Uma voz mais para trás da multidão clamou—Do que tenho visto e ouvido, ele é só palavras. Um “milagre” de transformar água em vinho, mas de que ajuda é isso para nós? Parece que ele não vai fazer nenhum esforço para nos resgatar de Roma. Ele diz que devemos tratar aqueles pagãos como amigos!

Algo incendiou em Esdras. Ele queria defender Jesus de alguma maneira, mas segurou sua língua. “Eu conheço aquela voz.” Ele levantou sua cabeça quando de repente ele viu quem estava falando. “Ué, ele é nosso rabi da sinagoga em Cafarnaum!” Tremeu com o pensamento de contrariar um de seus próprios líderes.

Murmúrios continuaram a passar pela multidão e grupos recomeçaram a ir para Jerusalém. Foi aí que Esdras se viu cara a cara com o rabi.

—Esdras, meu menino! Filho de Jessé!

—Oi, senhor!—Esdras respondeu engrossando a voz o mais que podia e engolindo o nó na sua garganta.

—Estou contente de ver você fazendo essa jornada. Com quem está viajando, jovem homem?

—Viajo com Jairo, Rabi. Ele está lá na frente.

O rosto delineado do rabi enrugou-se com preocupação. Puxando Esdras para o lado, ele disse seguramente—Esdras, é minha responsabilidade como seu ancião ter certeza que você fique sabendo de algo. Jairo pode ser um líder na sinagoga, mas cuidado. Ele tem se alheado de muitos outros líderes por seus pensamentos radicais. Muitos o acham extremista e fanático. E muito desfavorável, posso dizer. Seria sábio guardar minhas palavras.

Então, sem uma palavra de despedida, o rabi virou-se e foi na direção de outro jovem.—Miquéias! É bom ver você!—e com isso partiu para sua próxima conversa.

Esdras estava chocado. “Nunca ouvi palavras contra Jairo. Meu pai disse que ele teme e ama a Deus mais que qualquer outra pessoa que já conheceu.” Sem saber o que pensar, Esdras se apressou para alcançar Jairo. “Ai, esses são dias confusos.”

Eles viajaram junto com vizinhos e amigos pelos os dias seguintes. A cada dia, a multidão crescia e crescia ao se ajuntarem mais peregrinos à caravana. As palavras do rabi incomodaram Esdras por algum tempo, mas logo elas dissiparam enquanto ele, Jairo e outros tiveram muitas conversas empolgantes sobre as promessas de Deus para Israel.

—Ó, Esdras!—Jairo exclamou depois de uma conversa particularmente estimulante.—Certamente não é popular falar em pecado, em vez de somente discutir idéias. Mas, se nós formos fiéis em fazer o trabalho de Deus da Sua maneira, se nós vermos pecado tão claramente para nos entristecer e declarar como os velhos profetas, se nos devotarmos à oração, nosso Deus vai ser fiel a nós. Ele mostrará o caminho que Ele tem preparado. E levantará o grande exército e a nação poderosa que Ele tem proclamado!

“Não há nada negativo sobre esse homem,” Esdras pensou para si. “Nada a não ser seu ódio por conciliações e complacências. O que eu vejo é fome resoluta de santidade e verdade!”

A jornada continuou. Eles tinham andado com a longa linha de viajantes, desviando das cidades romanas na costa oeste do Mar da Galiléia. Depois, eles levaram um caminho que mais ou menos seguia o Rio Jordão. Finalmente, tendo desviado para o sul, eles viraram para o oeste, subindo o monte pelo deserto em direção à Cidade de Davi. Lá eles celebrariam a Páscoa. Esdras se deleitava com o pensamento. “Jerusalém! Uma cidade num monte.” Os profetas passados disseram que um dia um Reino de Deus se estabeleceria e duraria para sempre. “O Reino de Deus. O que é este Reino?”

Muitas vezes Esdras procurava mais na frente para ver se achava Jesus, Simão ou André na multidão de peregrinos, mas não podiam ser vistos. O pó marrom e o calor intenso do deserto encobriam a linha de viajantes. A banda cinza de montanhas se esticava no horizonte na frente deles enquanto o sol realçava cores brilhantes de roxo, rosa, laranja e vermelho nos montes distantes e o céu que escurecia.

Ao pôr-do-sol no sexto dia da jornada, os viajantes se acomodaram mais uma vez e acamparam ao lado da rua empoeirada. Esdras se juntou a Jairo perto do fogo para o jantar. Era bom estar com seu amigo.

—Você sabia, Jairo, que já se passaram sete anos desde minha primeira jornada à Jerusalém? Eu tinha doze anos. E estava com meu pai. Acabou sendo a última Páscoa que ele conseguiu ir, porque o acidente aconteceu logo depois. Mas nossos dias em Jerusalém são dias que nunca esquecerei.

—Seu pai tem um bom coração, Esdras. Sei quanto tem ansiado para ver você fazer essa jornada outra vez—Jairo respondeu em voz baixa.

Esdras suspirou—Eu gostaria tanto que meu pai viesse também. Nós dois temos ansiado ver e adorar no templo outra vez…—Esdras pausou ao olhar para dentro do fogo.—E sentar para ouvir os ensinamentos e conselhos dos escribas e Fariseus—ele deitou com a cabeça em suas mãos e olhou para as estrelas.—Jairo, meu pai me pediu especificamente para ver o que os líderes em Jerusalém dizem sobre Jesus. Se Ele é o Messias ou não. Os professores da lei sabem as Escrituras bem. Certamente, quando eles conhecerem e escutarem Jesus, eles ouvirão e reconhecerão as palavras que Ele diz. Você não acha?

Em um tom claro e sério Jairo disse—Ó, Esdras, eu já ouvi nossos líderes ensinarem no templo muitas vezes. Vejo eles adorando e realizando seus rituais. Alguns parecem ter um coração para Deus e sim, talvez alguns ouvirão. Mas muitos só vivem vidas exaltando a imagem exterior, desejando principalmente serem vistos por homens. Alguns se importam com a lei e em fazer tudo certo, mas parece que nunca cedem o controle dos seus corações. Eles acreditam que nossas tradições são tão importantes quanto os mandamentos de Deus. Na verdade, eu acho que alguns já não conseguem ver a diferença!—Jairo chacoalhou sua cabeça e olhou intensamente para as chamas.

Chocado com o que Jairo estava dizendo, Esdras perguntou—Você acha que alguns já não conseguem ver qual diferença?

—A diferença entre as tradições estabelecidas pelos nossos pais e os próprios mandamentos de Deus—Jairo repetiu cuidadosamente.

—Me dá um exemplo—Esdras começou a sentir uma leve apreensão surgindo em seu coração.

Jairo esperou um momento antes de responder—Tá bom, Esdras. Poderíamos falar de milhares de interpretações e explicações “extras” de meros homens. Poderíamos discutir sobre o poderoso e grande Sinédrio e como uma invenção do homem se tornou “a Voz de Yahweh”, ou os homens quiseram que fosse assim. Poderíamos discutir sobre a posição administrativa de Saul e de outros Reinados versus a liderança de Samuel dada por Deus por unção. O homem quer estatura impressionante e posição enquanto Deus quer coração e espírito. Há centenas de exemplos que poucos hoje questionam. Parece que estamos bêbados em nossas tradições e muito tementes de perguntar, “Por quê?”! Mas agora, vamos considerar as sinagogas?

Apesar do aceno hesitante de Esdras, ele continuou—Já considerou que a sinagoga realmente nunca foi a idéia de Deus? Sempre foi a intenção de Deus que o homem adorasse no templo em Jerusalém! Mas, quando Israel pecou e fomos espalhados e não tínhamos um templo, foi a idéia de nossos antepassados construir sinagogas para se reunirem, orar e ler as Escrituras.

—O que tem de tão errado com isso?—Esdras questionou, franzindo suas sobrancelhas.

—Ah, não tem nada errado com a idéia em si. O problema é que, agora, depois de muitas gerações, a adoração na sinagoga é tão estabelecida que muitos líderes a consideram o PLANO DE DEUS ao invés da IDÉIA DO PRÓPRIO HOMEM. Não lembra, Esdras, dos “lugares alternativos de louvor” chamados Lugares Altos e o que Deus pensava sobre eles? Agora temos justificado e imposto nossas próprias tentativas para fazer Yahweh mais conveniente. ESSE é o PROBLEMA.—Enquanto Jairo falava, novos exemplos inundaram sua mente—Como o carro de bois Filisteu, nós nos justificamos facilitando nossa conveniência e conforto com nossas próprias tradições. Não é que Nadabe e Abiu, Uzá, Janes e Jambres descobriram o que Deus pensa de nossas grandes idéias?—Os olhos de Jairo se estreitaram com uma profunda convicção e sua voz tornou-se mais forte.—Precisamos distinguir entre as tradições do homem e os Pensamentos Santos de Deus. Isso não está acontecendo nessas gerações, Esdras. A sinagoga agora é uma tradição tão aceita que um Judeu é considerado um rebelde e pecaminoso se ele não frequenta da “maneira certa.”

Esdras estava atônito. Sentia como se algo muito fundamental para suas crenças judaicas estivesse sendo tirado de debaixo dele. Ele não sabia se devia continuar a dar ouvidos ou se devia se entregar para a ira que sentia subindo dentro dele. “Jairo está literalmente questionando o valor da sinagoga, a mesma instituição em que é líder? Se o povo de Deus não tivesse um lugar para congregar, onde iríamos ler e ouvir outros lendo as escrituras? O povo de Deus se reuniria onde?” De repente ele lembrou que alguém o alertara sobre Jairo. “Ele já não fora chamado de um perturbador?” Esdras guardou para si seus pensamentos.

—Jairo,—ele disse, abalado—se não podemos confiar em nossos líderes, em quem podemos confiar?

A voz de Jairo ainda era baixa, mas firme—Precisamos confiar em alguém que, como os profetas, não teme o homem. Alguém que não tem medo de buscar, seguir e responder a Deus, custe o que custar. Alguém que não tem nem uma ambição mundana ou motivos pessoais. Confiar nAquele que se importa mais com a verdade, a honra de Deus e o fruto, do que sobre Seu próprio bem estar e reputação.—Jairo suspirou—Por mim, eu estou virando meus olhos em esperança ao homem que o Profeta do deserto chamou de “Cordeiro de Deus”. Para aquele que atrai multidões, mas não se atrai a elas. Um que ama o homem, mas que Suas palavras e ações não são afetadas por aqueles que gostam ou não gostam delas. Um homem como esse deve estar em comunhão com Deus. Um homem que pode transformar água em vinho.

—Jesus!—Esdras declarou se acalmando ao lembrar dEle.

Depois de um momento de silêncio, Jairo disse em voz baixa—Sim, Yesu, Jesus!

—E você não acha que nossos lideres não vão afirmar que Jesus é o Messias?—perguntou Esdras.

—Como sou o responsável pelas escrituras na sinagoga, tenho muitas oportunidades de ler e de considerar as palavras de Deus. Você sabe o que Isaías diz sobre a vinda do Messias?

…mas será uma pedra de tropeço, uma rocha que faz cair;

E para os habitantes de Jerusalém

Ele será uma armadilha e um laço.

Esdras sentiu-se miserável. O fogo já não parecia ser quente ou confortável. As estrelas pareciam ter perdido seu brilho. Ele estava na expectativa de ir para Jerusalém, e agora sentia-se sem rumo. Algo dentro de Esdras dizia que isso era a verdade, mas todo o resto dentro dele não conseguia aceitar.

Sentiu um nó na barriga ao se agachar em seu colchonete. Vozes ao redor deles dissipavam-se na escuridão à medida que mais e mais viajantes se acomodavam para a noite. Ele levantou o olhar para o céu acima.

—Adonai, me ajude a ver o sentido de todas essas coisas. Me ajude a reconhecer o que Você diz ser verdade.—Ele ficou acordado a maior parte da noite. Mas depois de várias horas, os pensamentos perturbantes de Esdras foram conquistados pelo sono que encobria todos os viajantes.

Esdras acordou na manhã seguinte ainda ponderando a noite anterior. Mas com a expectativa de ver Jesus em Jerusalém, ele também sentiu esperança. Ele ficou de pé e esticou seus braços nos primeiros raios de sol daquela manhã. “Como vai ser esse dia? Provavelmente vamos estar em Jerusalém antes de escurecer e talvez vamos poder ouvir Jesus ensinar logo, logo. Eu realmente quero ouvir mais do que Ele tem a dizer. Eu preciso ouvir mais do que Ele tem a dizer!”

Jairo, que estava deitado ao seu lado, deu um longo e exagerado bocejo e disse—Tovo safro! Bom dia, Esdras.—Jairo arrumou seu manto dobrado, que servira de travesseiro provisório e esticou suas pernas longas—Aaaa… essas pernas velhas não são como eram. Espera um pouquinho, rapaz. Já, já levanto.

De repente os olhos de Jairo se arregalaram ao ver algo do tamanho de um figo grande subir lentamente a manga do seu manto. Em um instante ele estava de pé e furiosamente batendo sua manga.—Bem, essas pernas funcionam muito bem quando minha vida está em risco! Ai, Ai! Aranhas!—ele se estremeceu enquanto seu rosto se contorcia, depois continuou a chacoalhar sua manga.—Aranhas do deserto são as piores!

Esdras soltou uma pequena risada.

—Estou bem—Jairo murmurou sem convicção—vamos andando.—Ele virou-se e começou a enrolar seu colchonete, dizendo baixinho ao chacoalhar, bater e alisar todo espaçinho e dobra.—Aquela coisa provavelmente botou cem ovos aqui. Hoje à noite vamos estar cobertos de…

Esdras agora dava gargalhadas—Ah, ha! esqueça elas. Você está certo. Vamos ficar bem.

Jairo cedeu um pequeno sorriso e depois voltou a chacoalhar seu manto.

Esdras olhou para o homem mais velho com novo afeto. “É, nós vamos ficar bem. Não posso culpar Jairo pelo que disse ontem à noite. Ele só é um homem comum que está disposto a questionar tudo que não parece estar de acordo com o coração de Yahweh.” Esdras recordou como ele tremera com o pensamento de ir contra seu próprio rabino quando ele falara contra Jesus. “Quem sabe, talvez eu seja a pessoa com problema.”

Quando o sol raiara completamente, Esdras, Jairo e grupos de viajantes estavam outra vez a caminho para Jerusalém. Eles se viram rodeados por multidões de pessoas quando entraram nos portões da Grande Cidade um pouco antes do sol se pôr. Vozes familiares de repente pegaram a atenção de Esdras enquanto esbarravam pela multidão.

—Ei! Eu reconheceria a voz de Simão, filho de João em qualquer lugar!—Esdras gritou ansiosamente.—Vamos lá, Jairo!—Ele se esticou, tentando ver acima da multidão para achar Simão.

E lá estavam: Simão, André, João, Tiago, Felipe e outros. E, sim… Jesus estava lá também. Fez bem para o coração de Esdras ver os rostos familiares daqueles que amava!

Jairus estava claramente contente também.

—Simão! André!—Esdras gritou acima da barulheira.

Simão virou-se e seu rosto iluminou-se—André! Tiago! Olha quem achei!—O encontro foi muito alegre, com muitos tapas nas costas, fortes abraços, berros e vibrações.

Jesus riu junto—Esdras, Jairo, estamos indo para o templo. Gostariam de nos acompanhar?

Então Esdras e Jairo acompanharam o grupo esquisito ao seguirem o caminho. Finalmente, ao andar por muitas ruas entrelaçadas e empoeiradas, chegaram ao templo.

O templo! A grandeza e majestade, as enormes paredes e colunas de pedra—tudo isso enchera Esdras com um senso de admiração e reverência.

Os sacerdotes, Fariseus e escribas eram facilmente reconhecidos por suas vestes finas e tefilins. “Esses são os homens que têm dado suas vidas inteiras para Deus e para Seus Mandamentos,” Esdras pensou. Ele ansiava sentar-se aos seus pés mais uma vez, de ter o tempo e a oportunidade para estudar as Palavras de Deus.

Esdras olhou para os guardas pomposos do templo vigiando por cima das enormes paredes do pátio. Finalmente, ele descansou seu olhar no santuário em si. “E aqui é onde DEUS habita. Tudo foi construído de acordo com as especificações que o Próprio Deus deu para Seu povo através de Moisés! Aqui é onde está Sua grandeza!”

Os gritos de um mercador interromperam violentamente seus pensamentos.

—Já comprou seu sacrifício? Terá que ter as moedas próprias, jovem! Se precisar trocar seu dinheiro, eu tenho os melhores câmbios no templo!—Esdras chocou-se enquanto um homem atarracado com elegância pretensiosa tentou levá-lo para sua mesa de negócios. Tirando seu braço da mão imunda do homem, Esdras correu um pouco para alcançar Jesus, Jairo, e os outros.

Vendedores chamavam de suas pequenas cabanas localizadas pelo pátio inteiro. Animais em chiqueiros, rolinhas em gaiolas, tudo à venda pela melhor oferta. Moedas de prata cintilavam ao sol do meio dia ao serem contadas de mão em mão.

—Ôôôôh! Ai!—Esdras passou sua mão na perna ao se afastar de um chiqueiro em que tinha esbarrado sem querer.

—Caro amigo!—um mercador de ovelhas se apressou na direção de Esdras.—Vai comprar um cordeiro para a Páscoa? Faço um bom preço para você. Não consegue comprar um cordeiro, não é? Então, aqui estão minhas pombas, são excelentes, dê uma olhada!

Esdras se afastou do homem bruscamente, mais determinado ainda a se livrar dos vendedores. Ele tentou focar-se nas coisas que ansiava ver. “Lá! Lá estão alguns professores da lei!” Estavam reunidos debaixo de um pátio magnífico, claramente discutindo as Escrituras. “E lá estão os Levitas, fielmente cumprindo seus cargos.” Esdras estava rodeado de línguas estranhas de Judeus fiéis que viajaram de terras distantes. Ele fechou seus olhos e respirou fundo. “Sim, a Casa de Deus, cheia com Seu Povo. Isso é o que eu lembro.”

Não demorou muito, entretanto, para que a contemplação serena de Esdras fosse interrompida por um transtorno ao seu redor. Do nada, mesas começaram a voar em toda direção.

Esdras primeiro ficou perplexo.—O… O que está acontecendo!?!—ele olhou para Jairo, mas Jairo estava igualmente confuso.

Caixas de dinheiro estavam sendo lançados no ar, mesas estavam sendo puxadas para o chão, cascos de animais sapateavam e pombas voavam. Pessoas estavam gritando e berrando. Os pátios do templo estavam em caos!

—O que é isso?—Esdras tentou gritar mais alto que o barulho para Jairo.—Um touro solto? Um homem louco?—Ele virou-se rapidamente e pegou um vislumbre de uma figura girando e carregando um chicote.

—Lá, Jairo! Naquela direção!

Jairo virou-se. No mesmo instante eles reconheceram o homem. Eles estavam perplexos.

—É Jesus!

Por um instante, os olhos de Esdras se encontraram com os olhos de Jesus. Eles queimavam com um fogo santo. Jesus girou em fúria justa.

Esdras olhou para Jesus sem poder acreditar. Esse era o mesmo homem que fora tão humilde e gentil no pátio de Simão? Esse era o homem tão cheio de amor, mansidão, sensibilidade? Ele segurara crianças, rira com alegria, falara palavras de verdade que ressoaram na alma de Esdras. Mas agora, Ele estava criando uma catástrofe aqui no lugar mais sagrado e querido para todo Israel.

Esdras deu uma olhada rápida na direção dos líderes religiosos que estavam alinhados na parede de trás. Eles olhavam chocados, ancorados no lugar. No topo das escadas que subiam do pátio, estava o Sumo Sacerdote. Ele também estava tentando entender a situação enquanto os sacerdotes do templo e autoridades rapidamente o procuravam. Uma vez que o Sumo Sacerdote viu de onde vinha o tumulto, seus olhos traíram sua raiva. Seus punhos fecharam-se fortemente, agarrando as beiradas de sua veste.

Perguntas giravam violentamente na mente de Esdras. Ele examinou as faces de cada Fariseu na multidão, um verdadeiro quem-é-quem de líderes e especialistas. Eles também estavam cheios de indignação, raiva, ódio e coisa pior.

Esdras resmungou no fundo de sua alma. Ele sabia o que estava acontecendo. Dessa vez não era Jairo que recusava ignorar coisas erradas. Era Jesus, e Ele estava determinado a livrar os pátios do templo do que estava claramente ofendendo Deus.

Esdras começou a ficar com dor de barriga. “Mas não era assim que eu queria que nossos líderes encontrassem Jesus! Agora, com certeza, eles vão entender Ele mal.”

—Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu Pai um mercado!—Jesus gritou. Sua voz tinha uma paixão ardente que parecia chacoalhar as fundações do próprio templo.

Então, assim como começara, a explosão acabara. Jesus parou no meio do pátio, ofegando. Seu chicote retumbou para o chão. Um silêncio horrorizado caiu sobre aqueles que permaneceram no templo. Muitos vendedores e cambistas tinham fugido. Moedas, mesas quebradas e gaiolas vazias estavam espalhadas pelo chão. Pessoas comuns de joelhos lutavam por moedas espalhadas.

A mente de Esdras estava guerreando com seu coração. Ele sabia que era certo estar irado. O comércio ganancioso de animais para sacrifício era um insulto para a Santidade de Yahweh. “Mas não daria para Jesus expressar Seu ponto de vista de maneira diferente? Certamente esses grandes líderes ouviriam a razão!” Esdras desesperadamente buscou as faces dos Fariseus outra vez, em esperança de achar pelo menos um que parecesse estar sensível. Mas não achou nenhum.

Ao invés disso uma voz áspera e calculada disse—Que sinal miraculoso o senhor pode mostrar-nos como prova da sua autoridade para fazer tudo isso—era o Sumo Sacerdote. Ele olhou friamente para Jesus do topo das escadas. Todos olharam diretamente para Jesus.

—Destruam este templo, e eu o levantarei em três dias—Jesus declarou em resposta.

Outro Fariseu zombou—Este templo levou quarenta e seis anos para ser edificado, e o senhor vai levantá-lo em três dias?

“Como o templo poderia ser reconstruído em somente três dias?” Esdras sentiu a ofensa e confusão também. “Jesus não está fazendo sentido nenhum.” Ele olhou para Jairo, que estava com olhos arregalados de surpresa e admiração. “Jairo também não entende, mas… parece que ele não se importa por não entender!”

Esdras olhou para os Fariseus. Eles estavam claramente ofendidos. E bravos. Eles estavam rígidos com orgulho e auto-justiça.

“Jesus não ficou em Jerusalém nem mesmo por um dia inteiro, e Ele já está em confronto face a face com os corações e mentes de cada líder religioso aqui,” Esdras pensou agonizado.

Ele chacoalhou sua cabeça em admiração ao recordar as palavras do profeta Isaías. Que ironia Santa, ninguém em qualquer geração ia QUERER que fosse desta maneira:

…mas será uma pedra de tropeço, uma rocha que faz cair;

E para os habitantes de Jerusalém

Ele será uma armadilha e um laço.

Os líderes estavam incertos de como prosseguir e falavam vigorosamente entre si. A multidão começou a se dispersar. Jesus, Tiago, André e os outros viraram-se e simplesmente andaram para fora dos portões do templo. Sem hesitação, Jairo os seguiu e então gesticulou para Esdras, suplicando a ele para seguir.

Mas Esdras se viu em pânico. O desejo de correr para os sacerdotes e Fariseus surgiu dentro dele. “Certamente preciso conversar com eles! Deus não iria querer que eu fizesse isso? Talvez eles ouçam! Esses são os líderes de Israel, o povo escolhido de Deus! Eu não posso simplesmente virar as costas…”

Ele gemeu outra vez, quase sem poder ficar de pé. Em agonia, Esdras observava Jesus e Seus seguidores saírem de vista.

“Ó, Deus! O que é que Você quer de mim? Quer que eu vá para os escribas e professores? Esses homens deram suas vidas para as Escrituras! Eu tenho reverenciado e honrado eles minha vida inteira como Seus ungidos. Certamente não posso ir contra Seus líderes escolhidos. Esses são os mesmos homens que têm guiado Israel por décadas!”

Esdras olhou para os líderes ainda conversando furiosamente. “Mas espera!” Ele sentiu sua confusão mudar para censura. “Por que eles estão bravos com Jesus? Por que ELES não estavam irados com o abuso da Casa de Deus? Seu papel em Israel é de defender, de representar a Santidade de Deus pelos pecadores. Será que estão deixando algo nos próprios corações trazer cegueira? Como poderiam permitir tanta profanação na Casa de Deus? Como poderiam fechar os olhos para essa contradição todo dia?” Esdras estremeceu ao ver que era tão culpado quanto eles. Não tinha ele também sentido aversão aos ambiciosos e auto-suficientes mercadores? E mesmo assim escolhera olhar na outra direção e olhar somente para o que parecia ser bom.

Com os joelhos dobrando, Esdras caiu em um dos degraus que subia para o templo. Pela primeira vez, suas costas estavam viradas para os líderes religiosos. “Ó Deus, perdoa-me. Me dê olhos para ver e me dê um coração de coragem para obedecer o que Você me mostra. Deus, eu preciso saber o que fazer. Eu não entendo as palavras de Jesus, e certamente não entendo Suas maneiras. Mas, vejo Seu coração Santo e Justo nEle.”

Tudo, de uma só vez, ficou claro e óbvio. Esdras sabia no fundo que ele podia colocar sua confiança em Jesus. Esse homem tinha o coração de Deus e não tinha medo de andar praticando isso. Jesus era imprevisível? Certamente. Ele era difícil de entender às vezes? Sim. Mas, mesmo assim, não é que Sua paixão mostrava Seu amor pela Santidade de Deus e pelo povo de Deus? Mesmo que não conseguisse explicar, Esdras sabia que Verdade e Vida podiam ser achadas nesse homem.

Esdras SABIA o que devia fazer e o que realmente ansiara. Tudo que fora tão nebuloso agora estava completamente claro ao olhar a verdade cara a cara.

Um grande sorriso iluminou o seu rosto. “Eu vou seguir Yesu.”

Ele ficou firmemente de pé.—Eu vou seguir Jesus!—ele declarou com alegria em sua nova convicção descoberta. E com isso, sem o menor medo ou hesitação, correu na direção que tinha visto seu Mestre ir.

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