Parece Tão Certo!
19/12/2005
Há caminho que parece reto ao homem…
Provérbios 16:25
—Puxa! Deve tá cheio!—Jerede disse ao puxar a rede de pesca. Ele livrou seus olhos do cabelo preto e molhado. Esdras se esforçava com outra rede ao lado dele. Novas gotas de suor se formavam em suas testas mesmo com o ar frio daquela manhã cedo.
—Acha que devemos lançar as redes mais uma vez antes de voltar?—Esdras perguntou, esperando sua rede emergir da superfície da água.
—Ah não, trabalhamos a noite inteira…—Naquele momento a rede de Jerede saiu da água tão repentinamente que ele caiu para trás no barco. A embarcação balançou de um lado para o outro.
—Opa!—Esdras gritou. A tocha de resina, montada em um dos lados do barco, colocada tanto para atrair os peixes quanto para servir de luz para trabalhar à noite, soltou-se. Ela caiu na água e chiou ao se apagar. Jerede resmungou e levantou a mão para estabilizar Esdras. Ao Esdras tentar recuperar seu equilíbrio, as cordas da rede escaparam de suas mãos. Ele deu um salto para pegar de volta agarrando-a bem antes de ela desaparecer no outro lado do barco, mas os peixes já estavam rapidamente escapando da rede solta. Tombou e caiu deitado em cima de uma das pernas de Jerede com sua cara bem perto de uma pilha de peixes. Os dois ficaram imóveis. Esdras quebrou o silencio caindo na gargalhada. Os ombros de Jerede caíram mostrando seu desânimo, mas, ele não resistiu e abriu um sorrisinho.
—Bem, não vai demorar muito para escolher os peixes essa manhã—ele disse olhando sua rede com somente a metade cheia, e a rede vazia de Esdras.—Desculpe.
Esdras, ainda rindo, levantou-se, agarrou a pesca escassa e sentou no lado oposto de Jerede.—Eu vou separando os peixes e você rema—ele disse com um tom de brincadeira.
Jerede sorriu e pegou os remos. Ele observava Esdras começar a puxar peixes da rede. Era uma rede de mão, pequena e circular, com o diâmetro mais ou menos do tamanho do braço de um homem. Pesos no perímetro puxavam-na para baixo quando jogada na água. Quando uma corda, presa no centro, era puxada, a rede se fechava ao redor dos peixes.
Os peixes mexiam-se entre os dedos de Esdras ao jogá-los no chão do pequeno barco de madeira. Jerede não se sentiu mal em deixar Esdras separar os peixes. De todas as coisas que ele odiava na pescaria, essa era a pior. Mesmo assim, precisava ser feito. Tilápia e sardinhas eram separadas, algumas para guardar, e outras para clientes judeus. Bagres e lampréias seriam vendidos para gentios.
Enquanto Jarede remava, sua mente começou a vagar longe de seu pequeno barco de pescaria no Mar da Galiléia. Seu Tio Lemuel falara para ele sobre os enormes navios de comércio com centenas de remos no Mar Grande. Ele nunca vira o Mar Grande, que se esticava das margens de Israel para Grécia, Roma, e além. Mas, quando era ainda menino, ele prometera a si que um dia ele o veria. Lemuel também fora a leste em perigosas caravanas de camelos. As aventuras de Lemuel o pagaram bem e ele era o homem mais rico que Jerede conhecia.
—Se eu…—Jerede suspirou.
—Que?—Esdras levantou seus olhos.
—Ah, eu só estava pensando em meu tio.
—Você realmente quer ser um comerciante, não é?—Esdras perguntou.
Jerede fixou seus olhos com as sobrancelhas enrugadas nos poucos peixes no fundo do barco ao puxar os remos para perto de seu peito.
—Eu não consigo pescar, Esdras. Sou terrível nisso! Isso sempre foi óbvio. Por que não posso usar minha mente, e não meus músculos?
Ele olhou para seus braços e eles riram. Jerede obviamente herdara o corpo delgado de sua mãe, e ele há tempo desistira de desafiar Esdras para uma competição de braço de ferro. Depois, em tom sério, Jerede continuou—Tio Lem disse para meu pai que tenho habilidade com números. Ele quer me levar como seu contador. Ele diz que vou ganhar o dobro comerciando que em pescaria. O dobro, Esdras!
—Seu pai não vai deixar você ir, né?—Esdras perguntou baixinho.
Jerede suspirou—Não. Pelo menos, ainda não.—Depois ele se animou—Mas eu ainda não desisti. Parece tão certo. E por que não?—suas mãos se firmaram nos remos ao remar.—Semana passada, meu tio me convidou para sua próxima viagem para a Grécia. Eu vou perguntar meu pai sobre isso quando ele voltar… Sei lá quando isso vai ser!
—Ele está num casamento em Caná, não é?—Esdras disse curiosamente.
Jerede retornou um olhar desamparado—Ele voltou para casa alguns dias atrás, afirmando que estava com tanta fome que poderia comer metade dos peixes no mar. Eu pensei que ele ia ficar um pouco bravo comigo por deixar os peixes seguramente no mar. Mas dessa vez, meu pai estava… eu não sei… diferente. Eu acho que mais sensível. Aí, ao invés de voltar para pescar, ele anunciou que iria para um casamento!—Jerede pausou, olhando para Esdras.—Sabia de uma coisa? Meu pai disse que Jesus deu um novo nome para ele!
Esdras interrompeu—Um novo nome?
—É,—Jerede disse, chacoalhando a cabeça.—Pedro, quer dizer pedra.
—Pedra, é?—Esdras sorriu, abismado. O Simão que ele conhecia era impulsivo, imprevisível, explosivo, com uma fascinação por pescar que Jerede nunca entenderia. “Pedra?”.
—É, e agora não consigo entender ele—Jerede disse quase para si.—Desde que meu pai ouviu sobre Jesus, ele quase nunca fica em casa. E agora ele foi para um casamento. Por que estariam indo para um casamento, a final de contas? Em Caná? Nós nem conhecemos ninguém em Caná!
Depois de um silêncio Esdras disse—Para falar a verdade, eu teria ido com eles. Eu gostaria de ver Jesus pessoalmente!
—E onde eu estaria se você tivesse me deixado, também?—Jerede exigiu, atirando um peixe em Esdras, brincando.
Esdras abaixou-se rapidamente—Mas se Ele for O Prometido, Jerede?
Jerede não tinha uma resposta para isso. Por algum tempo o único som era o rítmico tibungo dos remos.
—Consigo ver as margens daqui—Esdras finalmente disse.—Que tal ser a minha vez de remar um pouco.
—Sim, acho bom descansar um pouco! Eles trocaram de lugares e Jerede encostou-se na popa do barco. Ele cruzou seus braços atrás de sua cabeça e olhou para o céu que clareava.—Então, o que é que os rabis e fariseus pensam sobre Jesus?—Jerede perguntou.
—Eu não sei—Esdras disse.—Eles não estavam impressionados com João, mesmo que meu coração queimasse quando ouvia suas palavras. Mas, também tinha o Jairo, um líder na sinagoga aqui na Galiléia. Ele certamente foi impactado com que João disse.
Jerede concordou. Ele também fora movido pelas palavras do Profeta. Ele e Esdras falavam sobre elas muitas vezes, e Esdras repetidamente o lembrava do que tinham ouvido. Ao falarem sobre o Messias, o entusiasmo de Esdras só se intensificava.
Jerede sempre desejara ser tão zeloso quanto seu amigo. Ele admirava a paixão que Esdras tinha para com a lei e para com o povo de Deus. Jerede sempre tentara se importar e prestar atenção na sinagoga e em casa quando as leis de Moisés ou a vinda do Messias eram discutidas. Porém, ele não podia negar sua falta de fervor quando comparado com seu amigo. “Talvez não sou esse tipo”, ele pensou. “Eu quero servir a Deus. Quero que minha vida e minha profissão honrem Ele. Aliás, meu Tio Lemuel é um excelente exemplo disso. Ele é fiel a sua profissão e ao mesmo tempo generosamente contribui e regularmente frequenta a sinagoga”.
Jerede de repente levantou o olhar—Opa! Estamos mais perto das margens do que pensei!
Esdras remava cuidadosamente agora. Eles estavam indo na direção de um monte de barcos que também traziam sua pesca. Vários pequenos fogos brilhavam em vários lugares na margem pedregosa onde mulheres ajudavam espalhar peixes em grelhas. O cheiro forte de peixe assando já enchia o ar.
Os dois jovens pularam do barco na água fresca e puxaram-no para margem. De algum lugar atrás dele, Jerede ouviu seu nome. Ele virou e viu Ezequiel saltando velozmente para baixo do monte em direção ao lago. Jerede sorriu ao observar Ashira correndo logo atrás dele.
—Jerede! Jerede!—Ezequiel gritou enquanto ele e Ashira se aproximavam.—Você ouviu? Jesus transformou água em vinho! Você ouviu?
—Como assim, Ashira?—Jerede perguntou. Ele reparou Esdras atrás de seu ombro direito ouvindo ansiosamente.
—É verdade! Foi um milagre!—ela disse quase sem fôlego.—O vinho acabou no casamento em Caná e Jesus disse para os servos encherem alguns jarros com água e, então Ele transformou a água em vinho!—ela pausou, ofegando.—E eles estão voltando para Cafarnaum. Todos eles!
—Você ouviu isso?—Esdras disse, agarrando o braço de Jerede.—Nós vamos ver Ele! Nós vamos ver Jesus!—A face de Esdras estava radiante.
Jerede sentiu seu próprio coração bater com entusiasmo. “Água em vinho! Incrível!”—Eles estarão aqui logo?
—Eu não sei—Ashira disse.—Alguns mercadores ambulantes trouxeram a notícia na frente de Jesus e de abba. Eles estão a caminho!
—Vamos lá, Esdras! Vamos cuidar desses peixes!—Jerede olhou no fundo do barco.—Humm, isso não deve demorar muito.
Enquanto ele e Esdras jogavam os poucos peixes em um cesto, Jerede pensou sobre os mercadores que Ashira disse que trouxeram as notícias. Um forte sentimento de urgência brilhou nele. “Talvez eu possa perguntar pro pai de novo sobre ir com Tio Lemuel. Pode ser que ele esteja disposto a escutar desta vez. E finalmente vou poder ver o homem que cativou meu pai”.