Um Fogo Aceso!
19/12/2005
Vim trazer fogo à terra, e como gostaria que já estivesse aceso! Vocês pensam que vim trazer paz à terra? Não, eu lhes digo.
Ao contrário, vim trazer divisão!
Lucas 12:49, 51
Ana varria a área de cozinhar, cantarolando uma antiga cantiga judaica. Ela juntou as pilhas de pó deixadas por Rebeca e Kitra ao “varrerem” anteriormente naquele dia. Ela sorriu, lembrando da correria em que tinham apressadamente feito suas tarefas, ansiosas para saírem de casa e brincar. Seu estômago de repente começou a dar voltas com uma dor leve, mas que se intensificava. Ela a deixou de lado, pensando, “Certamente vai passar como antes”. Indo para o canto do quarto, ela pegou sua capa e colocou-a em volta de seus ombros, mais para o conforto do que para esquentar-se.
Enquanto varria, Ana pensava sobre o homem chamado Jesus e sorriu mesmo em sua dor. “Ele está causando um alvoroço por aqui até mesmo sem botar um pé em Carfarnaum. O que Ele vai fazer quando chegar aqui?” Conversas se espalhavam sobre o novo governador romano, Pôncio Pilatos, que tinha recentemente assumido este posto. Falavam que era um homem frio e cruel. “Jesus vai suplantar esse líder romano? Se Ele realmente é o Rei vindouro, Jesus vai colocar Simão em uma alta posição de poder uma vez que Seu reino seja estabelecido?” Ela sorriu, tentando imaginar o enorme e forte pescador em um lugar de poder na Judéia, depois arrepiou-se. “Não… Talvez uma província menor?” Ela chacoalhou sua cabeça, ainda estremecendo com o pensamento. “Eu acho que não!”
Simão! Que figura! Apesar de suas palavras confiantes para Lemuel alguns dias antes, ela ainda às vezes lutava com o pensamento de Simão estar fora por muito tempo. E Jerede… ela sentia por ele—se esforçando tanto para prover para eles. Ela ponderou a possibilidade de Jerede trabalhar com Lemuel. “Bem, vamos ter que pensar mais sobre isso”. Mesmo não entendendo muito bem seu desconforto sobre isso, ela não conseguia achar que era realmente uma boa idéia.
Ainda refletindo as dúvidas que ecoavam em sua mente, Ana chegou à fogueira no centro do quarto pequeno, onde um caldeirão de sopa estava fervendo. De repente, uma dor intensa atingiu seu abdômen. Ela ofegou, caindo no chão. A vassoura caiu no fogo enquanto ela se curvava toda encolhida no chão. Ela se sentia paralisada e impotente enquanto ondas de dor continuaram a se apoderar dela. E mesmo assim ela estava consciente o suficiente para perceber que as cerdas da vassoura pegaram fogo e sua capa estava esticada por cima da vassoura. Ela se esticou trêmula para tentar apagar as chamas, mas seu movimento só fez a dor intensificar-se. Ela se contorceu ao chamar por Jedida, mas sua voz saiu fraca demais. Um pânico subiu dentro dela ao ver as chamas vindo mais e mais perto.
De repente, a porta abriu-se. Era Lemuel—Mãe! O que está acontecendo? Você me cham…—Lemuel engoliu seco ao ver sua mãe encolhida no chão, as chamas ficando fora de controle e perigosamente perto. Com três passos rápidos, ele correu até ela, rasgou a capa que estava em chamas, levantou-a em seus braços fortes e levou-a para segurança no outro lado do quarto pequeno. Ao se apressar de volta, rasgou seu próprio manto roxo brilhante. Alcançando o fogo, bateu-o severamente até que a última chama se extinguiu.
A sopa estava cheia de cinzas, completamente estragada. Lemuel, seu rosto malhado com suor e fuligem, girou rapidamente para retornar a Ana. O cabelo prateado dela caía sobre sua face, cobrindo-a quase completamente. Lemuel carinhosamente colocou-o de lado, revelando olhos fechados e lábios cerrados.
—Mãe? Mãe, você está bem? Mãe!
Ana abriu seus olhos.—S-sim. Estou bem. Só deixei a vassoura cair, mas estou bem.
—Mãe, o que aconteceu? Eu vim e você estava no chão. O que aconteceu?—sua voz aumentou em tom e intensidade e seu rosto, normalmente controlado, estava claramente ansioso ao falar.
Ana pressionou sua mão na testa—Eu vou ficar bem. Só preciso de um pouco de tempo. Às vezes eu tenho dores como essas. Essa me surpreendeu!—Ana respirou fundo.—Não é nada na verdade.
—Nada! Mãe, como assim? Nunca vi você com tanta dor. Você precisa descansar! Vou achar o melhor médico da Galiléia para você!
—Ó Lem…—Ana tentou falar com uma força que ela ainda não sentia.—Eu entendo sua preocupação, mas esse tipo de coisa passa muito rápido. Eu não preciso de um médico. Simplesmente tem muito para ser feito. Eu não posso…
—Não. Descanse! Não importa o que você pensa que precisa ser feito. Vou pedir para a Jedida ou Ashira fazerem para você. Aqui—Lemuel desenrolou um colchonete para ela e a ajudou a deitar-se nele.
Ana tentou protestar outra vez—Lemuel, já aconteceu muitas vezes antes…—ela parou, mas já era tarde demais. Lemuel tinha entendido.
—Aconteceu muitas vezes antes?! Mãe, por que você não me disse? Por que ninguém aqui me disse? Eu não acredito!
Ana respirou fundo e, com determinação, tentou mudar de assunto—Filho, você não me disse por que veio. Nós não estávamos esperando você hoje!
Lemuel suspirou e passou a mão no cabelo—Bem, eu não estava planejando parar, mas ainda bem que parei.
Ele levantou o olhar quando Jedida entrou.
Surpresa de ver sua mãe deitada no colchonete, Jedida exclamou—Mãe? Tá tudo bem?
Lemuel não conseguiu se conter—Jedida, onde você estava?!—ele disse frustrado.—Ela estava caída no chão chamando por ajuda! A vassoura e até seu manto estavam queimando. Ela poderia ter se machucado seriamente. Primeiro ela não conseguiu aguentar a dor e pior ainda ela diz que essas dores já vieram muitas vezes! Por que você não me disse nada?
Os olhos de Jedida arregalaram-se. Ela não vira seu irmão assim por muito tempo. Ela tentou achar algo para dizer, mas não conseguia pensar em nada que soasse razoável.—Eu… eu…
Lemuel bufou em aversão.
Jedida e Ana sentiram uma crise total surgindo e estavam perplexos sobre sua disposição. “Ele está frustrado sobre bem mais do que só minha dor”, Anna pensou.
Com um cinismo abnormal Lemuel adicionou—Ah, e só para você saber, Jedida, a pessoa que deve estar cuidando de tudo aqui está quase de volta do seu passeio pela Galiéia toda. É isso que vim falar para vocês. Disseram que Simão, André, e aquele homem Jesus, e vários outros viajando com eles estão indo para a sinagoga. Suas palavras indicavam desgosto.
Um silêncio desajeitado seguiu.
Jedida tomou coragem e perguntou—Lem, o que é que você pensa de Jesus?
Lemuel endureceu-se todo. E então disse, suas palavras cheias de amargura—Eu não sei nada dele exceto que ele tem levado o cabeça irresponsável dessa casa para sei lá onde, até sei lá quando e por sei lá que razão. Ele tem encorajado irresponsabilidade e incivilidade, tem se proclamado o Messias e tem dado a Simão, André, Tiago, João e outros, tenho certeza, uma desculpa para ir perambulando pelos campos com abandono completo e sem serem responsáveis por aquilo que deixaram para trás. E é ele que chamam de Messias!—ele disse impetuosamente.
—Mas e se Ele é?—Jedida perguntou.—Você não estaria contente de Simão e André seguirem Ele?
—Mas e se Ele não é? —Lemuel contrariou.—E aí você não estaria frustrada de Simão e André gastarem todo esse tempo atrás de um falso Messias?
De seu colchonete, Ana finalmente disse—Seja quem for esse Jesus. Nós sabemos que Simão e André estão seguindo seus corações ao seguirem Ele. E por isso estou contente.
Lemuel não disse nada, mas sua carranca disse o suficiente.
Jedida e Ana olharam uma para a outra sem saber o que fazer.
Ana quebrou o silêncio—Tenho certeza que todos vão estar com muita fome depois de viajar por tanto tempo. Se eles vão estar na nossa sinagoga essa tarde, eu não estaria surpresa se Simão trouxesse todos aqui à noitinha. Ela se animou com o pensamento, mas logo entristeceu-se quando viu a cara de Lemuel. Ela disse em tom prático—Mãos à obra. Vamos começar a preparar a comida.
—Mãos à obra!!—Lemuel estava abismado. Sua irritação e frustração outra vez aumentaram com seus temores por sua mãe.—O que deu na sua cabeça? Mãe, não esqueça que achei você no chão alguns minutos atrás.
—Lem está certo, mãe.—Jedida concordou. Ela olhou ao redor de si e viu as cinzas, o manto e a vassoura queimados.—Você deve descansar. As meninas e eu vamos fazer a limpeza e preparar a comida.
Ana perguntou—Você pode mandar Ariel pegar água fresca do poço?
—Sim! E talvez podemos pegar carne do açougueiro, e fazer uma sopa fresquinha e talvez assar um pouco de ovelha e fazer alguns pães frescos de cevada.
—Bastantes pães frescos de cevada!—Ana disse, sorrindo. Ela chacoalhou sua cabeça em completa admiração com o pensamento de como a tarde seria.
Notando que ele agora estava sendo ignorado e vendo que ninguém tinha as mesmas opiniões sobre esse tal de Messias, Lemuel saiu bruscamente.
O som firme da porta batendo desanimou os espíritos de Jedida e Ana por um momento. Elas olharam uma para a outra, não sabendo o que dizer.
—Posso pegar algo para você?—Jedida perguntou gentilmente.
—Não, obrigada. Eu vou ficar bem. Ana olhou sua filha ir para começar as preparações e então deitou-se em seu colchonete e respirou fundo outra vez. Ela nunca se sentira tão dividida entre alegria e tristeza. “O Messias está vindo!” Mas ela estava muito perturbada sobre Lemuel. Ele tinha saído tão resolutamente. Será que ele tinha fechado a porta do seu coração também? Ela temia que se fechara permanentemente. Lágrimas brotaram em seus olhos enquanto ela olhava para as cinzas quase se extinguindo. Ela recordou as palavras do Rei Davi nos Salmos:
“Nosso Deus vem! Certamente não ficará calado!
À sua frente vai um fogo devorador,
e, ao seu redor, uma violenta tempestade.
Ele convoca os altos céus e a terra,
para o julgamento do seu povo.”
—Ó, Senhor—ela cochichou baixinho.—Eu posso aguentar essa dor em meu corpo. E se um fogo qualquer destrói nossa casa, não importa. Só torna maleável o coração do meu filho. Não deixe o fogo de Sua ira devorar ele em sua teimosia. Ajude ele a ver sua própria fraqueza.—Lágrimas brotaram em seus olhos ao perceber o quanto ela amava Lemuel e quão doloroso seria se ele estivesse distante.