DO OUTRO LADO DA FRONTEIRA

1915

Naquele dia, uma semana depois, dois meninos esgotados da viagem se arrastavam com pés lentos e exaustos atravessando a fronteira entre Jiardásia e Samávia sem nenhuma ocorrência que levantasse suspeitas ou mesmo atraísse atenção. Guerra, fome e angústia deixaram o país atordoado e arruinado. Visto que o pior já tinha acontecido, ninguém tinha a curiosidade de saber o que lhes sobreviria. Se a própria Jiardásia se tornasse um inimigo em vez de um vizinho amigável, e enviasse pela fronteira uma multidão de tropas a galope, haveria apenas mais berros e gritos, e casas incendiadas, e matanças às quais ninguém ousaria resistir. Mas, pelo menos até agora, Jiardásia se mantivera pacífica.

Os dois meninos – sendo um dos dois em muletas – haviam evidentemente viajado muito a pé. Suas roupas pobres estavam empoeiradas e manchadas, e eles pararam e pediram água na primeira cabana depois da fronteira. O que andava sem muletas tinha um pedaço de pão comum numa bolsa atirada atrás dos ombros, e ambos se sentaram à margem da estrada e comeram como se estivessem com fome.

A velha senhora que vivia sozinha na cabana sentou-se e ficou observando os dois sem curiosidade. Ela talvez vagamente tenha se perguntado por que alguém entraria em Samávia em tais dias. Mas não se preocupou em saber a razão. Seu filho vivia em uma aldeia pertencente aos Maranovitch e fora chamado para lutar por seus senhores. Ele não queria, e não sabia o motivo da disputa, mas foi forçado a obedecer. Então beijou sua esposa e suas quatro fortes crianças em despedida, deixando para trás sua aldeia e suas plantações. Depois, os Iarovitch devastaram o pequeno e belo agrupamento de propriedades pertencentes ao inimigo. Estavam furiosos por terem sofrido grandes perdas numa batalha não muito distante, e, enquanto passavam, queimavam e matavam, e pisoteavam campos e vinhas. O filho dessa mulher idosa nunca retornou para ver as paredes queimadas de sua casa, por que ele mesmo fora morto na batalha pela qual os Iarovitch se vingavam. Apenas a idosa que vivia numa cabana perto da fronteira e observava inexpressivamente os que passavam permaneceu viva. Ela observava exaustamente as pessoas e se perguntava por que não ouvia notícias sobre seu filho e sobre seus netos. Mas isso era tudo.

Quando os meninos passaram pela fronteira e já estavam em seu caminho pelas estradas, não era difícil se manter fora de vista se necessário. O país era montanhoso e havia florestas densas no caminho – florestas tão extensas e com vegetação rasteira tão densa que homens adultos poderiam facilmente se esconder. Por causa disso, talvez, essa parte do país vira tão poucos combates. Havia muitas boas oportunidades de emboscadas seguras para o inimigo. E enquanto os dois viajantes seguiam caminho, ouviram sobre aldeias queimadas e cidades destruídas, mas eram cidades e vilas mais próximas a Melzarr e outras cidades defendidas por fortalezas, ou localizadas no campo circundando castelos e propriedades de nobres e líderes poderosos. Era verdade, como Marco dissera para a pessoa importante de cabelos brancos, que os Maranovitch e os Iarovitch lutaram entre si com a selvageria de hienas até que por fim o poder dos dois havia se rasgado e estava em sangue, e suas forças, seus recursos e seus suprimentos esgotados.

Cada dia os deixava mais fracos e mais desesperados. A Europa olhava com pouco interesse em qualquer um dos partidos, mas com grande desejo de que a desordem acabasse e cessasse de interferir no comércio. Tudo isso e muito mais Marco e O Rato sabiam, mas, ao caminharem cautelosamente por caminhos pouco visitados do pequeno país mutilado e torturado, descobriram outras coisas. Descobriram que as histórias de sua beleza e de sua prosperidade não eram somente lendas. Suas montanhas altas, suas planícies imensas e ricas onde milhares de rebanhos podiam se alimentar, suas florestas esplendorosas e profundas e seus largos e claros rios eram tão reais quanto as sujas e abarrotadas ruas de Londres.

Os dois meninos viajavam pelas florestas e bosques quando era possível deixar a estrada. Era seguro abrir caminho entre as enormes árvores, altas samambaias e rebentos. Nem sempre era fácil, mas era seguro. Algumas vezes viam uma cabana de algum fabricante de carvão ou o abrigo de um pastor que se escondia com as poucas ovelhas que lhe restaram. Cada homem que encontravam tinha o mesmo olhar sem vida, de sofrimento em sua face; mas, quando os dois pediam por pão e água, o que era o hábito deles, ninguém se recusava a compartilhar o pouco que tinha. Logo ficou claro para eles que os outros pensavam que eram dois fugitivos cujos lares fora provavelmente destruídos e que vagavam sem plano a não ser o de achar segurança até que o pior passasse. O fato de um deles andar de muletas adicionava desamparo à aparência deles, e o fato de ele não saber falar a língua do país o fazia ainda mais objeto de pena. Os camponeses não sabiam que língua ele falava. Algumas vezes um estrangeiro vinha procurar trabalho nessa ou naquela pequena cidade. O pobre menino devia ter vindo ao país com seus pais e eles devem ter sido pegos no meio da guerra e assim ele fora jogado órfão no mundo. Mas ninguém fazia perguntas. Mesmo em sua desolação eram um povo silencioso e nobre, muito cortês para ser curioso.

― Nos velhos tempos eles eram simples e imponentes e gentis. Todas as portas eram abertas aos viajantes. O senhor da cabana mais pobre dava boas-vindas quando um estrangeiro passava por sua soleira. Era o costume do país ― Marco disse. ― Li sobre isso num livro do meu pai. Próximo de quase todas as portas as boas-vindas estavam gravadas em pedra.

― Eles são grandes e fortes ― disse O Rato. ― E têm boas faces. Eles se portam como se fossem treinados, tanto os homens quanto as mulheres.

Não foi pela parte banhada de sangue daquela triste terra que seu caminho os levou, mas viram fome e temor nos povoados que passaram. Safras que poderiam ter sido usadas para alimentar o povo foram pegas para uso do exército; rebanhos foram levados, e as faces estavam magras e cinzentas. Aqueles que até o momento perderam somente suas safras e seus rebanhos sabiam que seus lares e suas vidas poderiam ser arrancados deles a qualquer momento. Somente homens e mulheres mais idosos e as crianças eram deixados para esperar por algum destino que eventualmente a guerra poderia lhes dar.

Quando recebiam alimento de alguma loja pobre, Marco oferecia algum dinheiro em troca. Ele não ousava levantar suspeitas oferecendo muito. Era obrigado a deixar que imaginassem que na fuga de seu lar arruinado fora possível pegar alguma reserva escondida de dinheiro que poderia salvá-lo de morrer de fome. Muitas vezes a mulher não aceitava o dinheiro que ele oferecia. A jornada era difícil e os deixava com muita fome. Eles deveriam fazer o caminho sempre a pé e havia poucos lugares onde poderiam achar comida. Mas os dois sabiam como viver com alimentação escassa. Eles viajavam mais à noite e dormiam entre as samambaias e a vegetação rasteira durante o dia. Bebiam e se banhavam em riachos. Musgos e samambaias faziam camas macias e perfumadas, e as árvores serviam de teto. Algumas vezes eles se deitavam e conversavam enquanto descansavam. E finalmente chegou o dia no qual sabiam que sua jornada estava chegando ao fim.

― Estamos quase no fim agora ― Marco disse, depois de se jogarem sobre o musgo e samambaias na floresta nas primeiras horas de uma manhã úmida. ― Ele disse “depois de Samávia, volte para Londres o mais rápido que puder… O MAIS RÁPIDO QUE PUDER”. Ele disse duas vezes. Como se… algo fosse acontecer.

― Talvez aconteça mais de repente do que imaginamos – essa coisa que ele quis dizer ― respondeu O Rato. De repente ele se levantou com o cotovelo e se inclinou na direção de Marco. ― Estamos em Samávia! ― ele disse. ― Nós dois estamos em Samávia! E estamos próximos do fim!

Marco também se levantou com o cotovelo. Estava muito magro por causa da dura viagem e da má alimentação. Sua magreza fazia os olhos dele parecerem imensos e muito escuros. Mas eles queimavam e incandesciam com seu próprio fogo.

― Sim ― ele disse, respirando rapidamente. ― E como a gente não sabe como será o final, obedecemos às ordens. O Príncipe foi o penúltimo. Falta somente mais um. O velho pastor.

― Quero ver este pastor mais do que quis ver qualquer um dos outros ― O Rato disse.

― Eu também ― Marco respondeu. ― A cabana dele está localizada no lado desta montanha. Fico imaginando o que ele vai nos dizer.

Os dois tinham a mesma razão para querer vê-lo. Em sua juventude este pastor tinha vivido entre os descendentes daqueles pastores que, 500 anos atrás, haviam contrabandeado o Príncipe Perdido para fora do país. Ele guardara como um tesouro no seu coração a história de quinhentos anos atrás sobre o jovem nobre trazido para ser escondido entre os aldeões, pelos antigos pastores. Fora dito que um dos primeiros pastores, antes de morrer, fizera uma pintura do Príncipe. O jovem pastor aprendiz que crescera entre esses homens devia ter ouvido lendas maravilhosas. Agora somente os Forjadores da Espada sabiam sobre a pintura secreta escondida em cavernas escuras abaixo da terra, onde as armas estavam empilhadas até o alto e onde homens com faces escuras e fortes sentavam-se juntos à luz fraca e faziam planos e esquemas.

― Ele pode decidir não nos falar nada ― disse Marco. ― Quando tivermos dado o Sinal, ele pode se virar e não dizer nada como alguns fizeram. Ele pode não ter nada a dizer a nós. Silêncio pode ser a ordem para ele também.

Não seria longa nem perigosa a escalada para a pequena cabana na rocha. Eles poderiam dormir ou descansar todo o dia e começar no crepúsculo. Então depois de conversarem sobre o velho pastor e comerem seu pão preto, eles se acomodaram para dormir abaixo da cobertura de grossas e altas samambaias.

Dormiram profundamente por bastante tempo e nada os incomodou. Tão poucos seres humanos subiam o monte, exceto pelo estreito e rústico caminho que levava à cabana, que as pequenas criaturas selvagens não haviam aprendido a ter medo deles. Uma vez, durante a tarde, uma lebre saltando pelas samambaias para fazer uma visita parou perto da cabeça de Marco, e, depois de olhar para ele por alguns segundos com seus olhos brilhantes, começou a mordiscar as pontas de seu cabelo. Ela fez por mera curiosidade e porque imaginou que talvez fosse um novo tipo de grama, mas ela não gostou e parou quase imediatamente, e ficou olhando para o cabelo de novo, movendo a ponta sensível e macia de seu nariz rapidamente por um momento, e então partiu saltando para cuidar de seus próprios afazeres. Um escaravelho grande e verde andou de uma ponta a outra das muletas do Rato, e, tendo feito isso, também foi embora. Duas ou três vezes um pássaro, procurando por comida embaixo das samambaias, se surpreendeu por encontrar as duas figuras dormindo, mas, como ficavam quietos, não pareciam algo a se temer. Uma bonita ratinha do campo que passava descobriu que havia migalhas por perto e comeu tudo que pode achar por cima do musgo. Depois rastejou até o bolso de Marco e achou algumas excelentes migalhas e teve um bom banquete. Mas não incomodou ninguém e os meninos continuaram dormindo.

Foi o canto da tarde de um pássaro que acordou os dois. Ela pousou no galho de uma árvore perto deles e seu canto ondulava claro e doce. O ar da tarde estava fresco e estava perfumado com os aromas da colina. Quando Marco se virou e abriu os olhos, pareceu-lhe agradavelmente real o fato de estar em Samávia: de a Lâmpada estar acesa e seu trabalho quase terminado. O Rato acordou com ele, e por alguns minutos ambos ficaram deitados de costas sem falar. Por fim Marco disse: ― As estrelas estão aparecendo. Podemos começar a subir, ajudante-de-campo.

Então os dois se levantaram e olharam um para o outro. ― O último! ― O Rato disse. ― Amanhã estaremos a caminho de Londres: Philibert Place, número 7. Depois de todos esses lugares que já fomos, como vai parecer?

― Será como acordar de um sonho ― disse Marco. ― Philibert Place não é um lugar bonito. Mas ELE estará lá. ― E foi como se uma luz se acendesse em sua face e brilhasse através da própria escuridão do rosto.

A face do Rato se acendeu quase exatamente do mesmo jeito. E ele tirou seu chapéu e ficou sem. ― Nós obedecemos às ordens ― ele disse. ― Não esquecemos nem uma. Ninguém nos percebeu, ninguém pensou em nós. Fomos soprados pelos países como grãos de poeira.

Marco também estava sem chapéu, e sua face ainda brilhava. ― Deus seja louvado! ― ele disse. ― Vamos começar a subir.

Eles abriram caminho pelas samambaias e andaram através das árvores até que encontraram o pequeno caminho. O monte era densamente revestido por floresta e o pequeno caminho era algumas vezes escuro e íngreme; mas eles sabiam que, se o seguissem, chegariam por fim a um lugar onde não havia árvore alguma, e a um rochedo onde encontrariam a pequena cabana esperando por eles. O pastor poderia não estar lá. Eles poderiam ter de esperar por ele, mas era certo que voltaria para pastorear seu rebanho.

Havia muitas estrelas no céu quando por fim uma curva no caminho mostrou a eles a cabana logo acima. Era pequena e feita de barro seco e pedra. Os dois meninos pararam no caminho e olharam para ela.

― Há uma vela acesa em uma das janelinhas ― disse Marco.

― Há um poço perto da porta… e alguém está começando a tirar água ― disse O Rato depois dele. ― Está muito escuro para saber quem é. Escute!

Eles escutaram e ouviram o balde descer preso pelas correntes, e bater contra a água. Depois foi puxado, e pareceu que a pessoa bebeu longamente. Então eles viram a figura indistinta se mover para frente e ficar parada. Ouviram uma voz começar a orar alto, como se a pessoa, acostumada à solidão total, não pensasse em ouvintes terrestres.

― Venha ― disse Marco. E foram adiante.

Havendo muitas estrelas e estando o ar tão limpo, o pastor ouviu os passos deles no caminho e os viu assim que os ouviu se aproximando. Ele terminou sua oração e ficou observando-os se aproximarem. Um menino de muletas que se movimentava tão ligeiramente e facilmente como um pássaro e outro menino que, mesmo de longe, era notável por carregar a si mesmo de tal maneira que não era arrogante nem orgulhoso, mas o colocava de alguma maneira acima de todos os outros meninos que já se tinha visto antes. Um menino magnífico – porém, ao se aproximar, a luz das estrelas mostrou seu rosto magro e os seus olhos fundos como se ele estivesse cansado e com fome.

“Quem será esse?” o velho pastor murmurou para si mesmo. “QUEM?”

Marco chegou na frente dele e fez uma continência respeitosa. Depois levantou sua cabeça morena, endireitou seus ombros e disse a seguinte mensagem pela última vez.

― A Lâmpada está acesa, senhor ― ele disse. ― A Lâmpada está acesa.

O velho pastor ficou em pé sem se mexer e fixou seus olhos nele. Depois abaixou sua cabeça um pouco para que pudesse olhá-lo mais de perto. Foi quase como se algo o tivesse deixado assustado, e queria verificar algo. Neste momento passou rapidamente pela cabeça do Rato que a mulher velha no topo da montanha tinha olhado do mesmo modo, com um olhar assustado com algo.

― Sou um homem idoso ― disse ― Meus olhos não são tão bons. Se eu tivesse um pouco de luz ― e então virou-se e olhou para a casa.

Foi O Rato que, com um giro, pulou pela porta e pegou a vela. Ele adivinhou o que estava querendo. Ele mesmo segurou a vela de modo que a luz se refletia na face de Marco.

O velho pastor se aproximou mais e mais. Ele ofegou e exclamou: ― Você é o filho de Stefan Loristan! É O FILHO DELE quem traz o Sinal.

Foi neste ponto que caiu sobre os seus joelhos e escondeu seu rosto nas mãos. Os dois meninos o ouviram chorando e orando, orando e chorando ao mesmo tempo. Os dois olharam um para o outro. O Rato estava muito entusiasmado, mas sentiu-se um pouco estranho também e não sabia o que Marco iria fazer. Um velho sujeito nos seus joelhos chorando fez com que um garoto não soubesse o que dizer. Deveria consolá-lo ou deveria deixar ele continuar?

Macro simplesmente não se mexeu e olhou para ele com entendimento e seriedade. ― Sim, senhor ― ele disse. ― Sou o filho de Stefan Loristan e dei o Sinal para todos. Você é o último. A Lâmpada está acesa. Eu também poderia chorar de alegria.

As lágrimas e a oração do pastor pararam. Ele ficou em pé – um homem idoso com uma face áspera e cabelo cheio, branco e longo que caia sobre seus ombros – e sorriu para Marco com seus olhos ainda molhados.

― Você tem atravessado de um país para o outro com a mensagem? ― ele perguntou. ― Você esteve sob ordens de falar essas quatro palavras?

― Sim, senhor ― Marco respondeu.

― Só isso? Não era para falar nada mais?

― Não sei de nada mais. Silêncio tem sido a ordem desde que eu fiz meu juramento de fidelidade quando era criança. Eu não era velho o suficiente para lutar, servir no exército ou pensar sobre grandes coisas. A única coisa que poderia fazer era ficar silencioso e me treinar a lembrar de coisas e ficar pronto para quando eu fosse chamado. Quando meu pai viu que eu estava pronto, confiou em mim para sair e dar o Sinal. Ele me disse estas quatro palavras. Nada mais.

O homem idoso olhou para ele com um olhar curioso. ― Se Stefan Loristan não sabe o que é melhor ― ele disse ― quem saberia?

― Ele sempre sabe ― respondeu Marco orgulhosamente. ― Sempre. ― Ele acenou com a mão como um jovem rei na direção do Rato. Ele queria que cada homem que encontrassem entendesse a importância do Rato. ― Ele escolheu para mim este companheiro ― ele adicionou. ― Não fiz nada sozinho.

― Ele permitiu que eu me chamasse de seu ajudante-de-campo! ― estourou O Rato. ― Eu estaria disposto a ser cortado em mil pedaços por ele. ― Marco traduziu.

O pastor olhou para O Rato e acenou sua cabeça vagarosamente. ― Sim ― ele disse. ― Ele sabia o melhor. Ele sempre sabe o melhor. Isto estou vendo.

― Como que você soube que eu era o filho do meu pai? ― perguntou Marco. ― Você viu ele?

― Não ― foi a resposta. ― Mas vi uma pintura que dizem que é a imagem dele e você é idêntico a ela. Realmente, é uma coisa estranha que duas das criações de Deus seriam tão idênticas. Existe um propósito para isso. ― Ele os guiou para dentro de sua pequena casa e os acomodou e deu para eles leite de cabra e algo para comer. Ao se movimentar dentro daquela cabana, ele tinha um olhar misterioso e exaltado na sua face.

― Vocês precisam estar descansados antes de sairmos daqui ― ele disse finalmente. ― Vou levar vocês para um lugar escondido nas montanhas onde estão homens que vão pular de alegria quando vê-lo. Só vê-lo irá dar a eles novas forças e coragem e uma nova determinação. Hoje à noite eles se encontram como eles ou seus antepassados têm se encontrado por séculos, mas agora o término de suas esperas está bem próximo. E eu levarei até eles o filho de Stefan Loristan, o Portador do Sinal!

Eles comeram o pão com queijo e beberam o leite de cabra que ele serviu, mas Marco explicou que não precisavam de descanso pois tinham dormido o dia inteiro. Estavam prontos para segui-lo quando ele estivesse pronto.

O último indício do crepúsculo da tarde havia se tornado noite e as estrelas estavam no ponto mais abundante quando começaram a jornada juntos. O homem idoso de cabelo branco levou em sua mão uma vara de pastor grossa e nodosa e guiou o caminho. Embora o caminho fosse bem irregular, íngreme, e sem nenhuma trilha para marcá-lo, ele o conhecia muito bem. Às vezes parecia que estavam andando ao redor da montanha, às vezes estavam subindo e outras vezes estavam atravessando rochas ou árvores caídas ou se esforçando por matagais que eram quase intransponíveis. Mais de uma vez descenderam desfiladeiros e, quase correndo o risco de suas próprias vidas, escalavam e se esforçavam com a ajuda da vegetação rasteira para o outro lado. O Rato teve que usar toda sua destreza e às vezes Marco e o pastor o ajudaram atravessar obstáculos usando suas muletas.

― Não mostrei hoje à noite se sou um aleijado ou não? ― O Rato disse uma vez para Marco. ― Você pode contar para ELE isto, não pode? E que as muletas ajudaram em vez de atrapalhar.

Eles tinham estado fora por quase duas horas quando chegaram a um lugar coberto por vegetação rasteira onde uma árvore enorme havia caído durante alguma tempestade. Não muito mais adiante da árvore caída tinha uma rocha emergente. Só o topo dela podia ser visto acima do entrelaçamento.

Eles empurraram seu caminho pela mata de arbustos e árvores novas guiados pelo seu companheiro. Eles não sabiam o próximo lugar aonde seriam guiados nem onde deveriam se esforçar para seguir adiante quando o pastor parou próximo da rocha emergente. Ele ficou em pé silenciosamente por alguns segundos – totalmente imóvel – como se estivesse ouvindo a floresta e a noite. Mas não havia nem se quer um barulhinho. Nem mesmo um ventinho para mexer uma folha ou um pio de um pássaro meio acordado.

Ele bateu a rocha com sua vara duas vezes, e então duas vezes novamente.

Marco e O Rato seguraram sua respiração com grande expectativa.

Eles não esperaram por muito tempo. Logo, os dois se acharam inclinando-se para frente olhando fixamente quase sem acreditar, não para o pastor ou sua vara, mas para a ROCHA EM SI! Ela estava se mexendo! Sim, ela se mexeu. O pastor pisou para o lado e ela vagarosamente se mexia como se trabalhada por uma alavanca. Ao se mexer, gradualmente foi revelando uma brecha de escuridão ofuscamente iluminada e o pastor disse para Marco: ― Tem esconderijos como este espalhados por toda Samávia. Paciência e miséria têm esperado por bastante tempo dentro deles. São as cavernas dos Forjadores da Espada. Venham!

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