Igreja Primitiva: a Vida com Jesus, Continuação
O cristianismo daqueles dias não precisava de armadilhas religiosas. Ela deixou para trás o paradigma de dias-lugares-homens especiais em favor de uma nova Realidade de relacionamento, com Deus e com Seu povo.
19/12/2007
Imagine Uma Vez Mais
Imagine caminhar com Jesus vivendo em Seu povo…
Logo será noite em Jerusalém. O calor prolongado da tarde se mistura ao calor do forno à sua frente. Atrás de você uma brisa fresca entra através de sua janela, trazendo com ela uma insinuação do ar fresco das montanhas nos arredores da cidade. O sol, descendo no céu, inunda com sua luz dourada essa mesma janela, iluminando a cozinha apinhada com um esplendor que combina perfeitamente com o que você está sentindo. Você aprecia os presentes simples—a fragrância do pão assando, a música na risada de um amigo, o começo de um pôr-do-sol perfeito. Ainda assim, a promessa dessa adorável noite de verão não pode explicar a expectativa feliz que surge como uma canção dentro de você. Há outra razão para isso.
Eles estão vindo. A igreja, sua família em Jesus!
É claro que você já viu muitos deles durante este dia. Mesmo agora há diversas mulheres terminando os preparativos para a refeição da noite, enquanto alguns homens estão trazendo alguns poucos móveis simples e diversos tapetes para sentarem. Porém hoje à noite a pequena casa ficará cheia, até transbordar, de seus companheiros fiéis. E quando vocês se reúnem em Seu nome, é como se o próprio Jesus estivesse lá!
Não haverá um roteiro para a noite, da mesma forma que ninguém foi “designado” para “comparecer” à refeição desta noite. Cada dia é fresco e novo. Como o Mestre, Jesus, trabalha em cada vida, Ele reúne as pessoas em uma rede dinâmica e ativa de amor. O tempo juntos nesta noite pode ser improvisado, mas você tem certeza de que será genuíno e mudará vidas.
Alguns falarão sobre os desafios do dia e a fidelidade do Pai ao enfrentá-los. Alguns compartilharão, com excitação e convicção, a maneira como estão aplicando os poderosos ensinamentos que escutaram na noite anterior. Talvez outros compartilhem uma canção que parece se adequar perfeitamente à ocasião. A igreja está cheia de música nestes dias—seja dos antigos salmos de Davi ou das novas expressões de louvor que emanam dos corações gratos dos discípulos. E haverá oração—sempre há oração! Não será uma fórmula estéril, mas uma poderosa conversa com um Deus Vivo. Pode até sacudir a sala!
Ao contrário das cerimônias na sinagoga aos quais você compareceu enquanto crescia, o tempo juntos não terá um “início” ou um “fim”. As interações do dia se unirão perfeitamente com as conversações íntimas durante o jantar. Essas interações, por sua vez, fluirão diretamente para os momentos vigorosos posteriores, quando todo o grupo estará dialogando, e continuarão em conversas mais silenciosas, à medida que os fiéis começarem a voltar para suas casas.
Os irmãos e irmãs estão vindo e você mal pode esperar até que todos cheguem!
Por meio de Seu povo, Jesus mostrará hoje à noite muitas coisas—as maravilhas de Sua cruz, os mistérios de Seu Espírito habitam em nós, as lições de obediência prática e o discipulado diário. A noite será rica. Porém, a maior alegria de todas será simplesmente passar o tempo com Ele em Seu povo. Esse fato dispara seu coração! Você provavelmente não conseguiria explicar para alguém de fora que estivesse olhando—embora já tenha tentado. Mas a verdade descomplicada é que Jesus está vivo em Sua igreja e você tem o extraordinário privilégio de caminhar com Ele dia após dia!
Essa imagem da vida lhe parece boa? Deveria.
Você nasceu para ela—se tiver nascido uma segunda vez!
Um Ponto de Virada
Tudo começou com cinqüenta dias totalmente surpreendentes—primeiro três, depois quarenta, depois sete.
Primeiro, houve três dias de desespero. Suas cenas estão gravadas para sempre em sua memória. Meia-noite no jardim. Promessas vazias e votos ocos. Olhos sonolentos. Suor sangrento. Tochas. Soldados. Um beijo, depois o caos. Mentiras, acusações e zombaria. Varas, açoites e espinhos. Uma caminhada torturante na subida de uma colina árida. Lascas. Cravos. Sangue. Céus enegrecidos. Gritos angustiados. Silêncio. Entorpecimento. Esconderijo. Dúvidas. Medo. Mais medo, e mais ainda.
Depois veio o momento único, o instante eufórico quando você finalmente percebeu que Jesus estava VIVO! Você quis rir, chorar, dançar de alegria e cair de joelhos, tudo ao mesmo tempo. Você poderia viver uma eternidade e jamais esqueceria esse momento—e, de acordo com Jesus, é exatamente isso que seu futuro lhe segura!
Depois disso vieram os quarenta dias de maravilhas. Foi um pouco perturbador—você jamais sabia quando Jesus apareceria, ou onde, ou por quanto tempo ficaria. Mas bem antes das seis semanas terminarem, você estava convencido sem sombra de dúvida de que a ressurreição de Jesus era real. As conversas Dele com você e seus amigos assumiram nova intensidade e foco. Era como se Ele estivesse tentando prepará-lo para algo. Tudo que Ele tinha a dizer sempre voltava a um tópico: o Reino de Deus.
Aí veio outro momento único. Desta vez, não foi eufórico, exatamente—foi mais totalmente surpreendente. Jesus havia dado a você o que parecia ordens de marcha para levar a vida de Seu Reino às pessoas de cada nação sob os céus, instruindo-as e ajudando-as a alinhar seus corações e vidas com Seus ensinamentos. Com as ordens vieram três promessas. Primeira, que o Espírito Santo habitaria em todos vocês. Segunda—e essa parecia relacionada à primeira promessa—que Ele estaria sempre com vocês. E terceira, que Ele voltaria para você. Essa última promessa na verdade foi feita por anjos. Jesus ascendeu aos Céus, onde você tem certeza que agora Ele está sentado à direita do Pai. Essa é a parte surpreendente!
Depois veio a semana de feliz antecipação, quando você e dezenas de outros fiéis fizeram exatamente o que Jesus disse: aguardaram em Jerusalém. Embora Jesus tivesse partido, não havia um sentimento de perda em você—apenas aquela alegria contagiosa. Era a espera, talvez, mas passou tão rapidamente e com grande paz e louvor.
Finalmente veio o qüinquagésimo dia desde a crucificação. Por acaso ocorreu no “dia dos primeiros frutos”, um dos destaques anuais da religião perfeita de Deus. Como era um dia de festa, Jerusalém estava cheia de adoradores naquela manhã, vindos de todo o mundo romano. De repente, todo o céu explodiu! Um tornado invisível de som encheu a sala onde você e os outros amigos de Jesus estavam juntos orando. Uma fração de segundo depois, uma bola de fogo estava pairando no meio do grupo, como se um altar invisível tivesse se incendiado. Alguns momentos depois, o fogo se dividiu em dúzias de chamas individuais, que voaram e pousaram em cada pessoa de seu círculo.
Agora você estava cheio do Espírito Santo, como Jesus havia prometido. Seus louvores em voz alta, gritados em várias línguas que nenhum de vocês havia estudado, atraíram rapidamente uma audiência. Em alguns minutos, as ruas do lado de fora estavam abarrotadas de curiosos. Pedro, primeiro, e depois todos vocês começaram a proclamar Jesus a eles. Alguns ouvintes começaram a “entender”. Depois mais outros. E outros… Em algumas horas, três mil pessoas creram, haviam sido batizados e se uniram a vocês. Admirável!
Mas e daí?
O que se faz com três mil pessoas novas na fé? Eles são todos judeus. Você os manda observar novamente a “religião perfeita de Deus”, com exortações para fazê-lo certo desta vez? Ou você aproveita o momento para começar a “ensiná-los a obedecer tudo que ordenei a vocês”, conforme as instruções de Jesus? E se fizer essa escolha, como continuar? Organiza todos em grupos? Escolhe dias e lugares regulares para que as pessoas se encontrem? Define uma estrutura de liderança piramidal, para garantir que todos recebam pelo menos um ensinamento qualificado? Institui um sacerdócio? Em resumo, você cria uma religião nova e melhorada, semelhante àquelas que conhece, porém baseada nos ensinamentos de Jesus?
Ou, ao invés disso, você tem a coragem de viver da maneira que Jesus viveu com você?
Os apóstolos tinham que tomar uma decisão. Essa decisão seria um dos pontos de virada na história do planeta Terra.
O Lugar Sagrado dos Cristãos: a Ecclesia!
Que tal um lugar sagrado? Os cristãos do primeiro século construíram templos, oratórios, sinagogas ou santuários? A vida de Jesus não se baseava no comparecimento a eventos, baseava-se no relacionamento. Ele havia levado Seus relacionamentos com o Pai e Seus seguidores para fora dos limites dos lugares sagrados designados e para dentro das casas, estradas e mercados de Israel. O Pioneiro de sua fé, Jesus, havia trilhado um novo caminho. Esses primeiros fiéis simplesmente O seguiram.
Nos primeiros dias da igreja de Jerusalém, os fiéis algumas vezes usavam o pátio do templo, uma área aberta de acesso público adjacente ao templo em si. Por algum tempo, os apóstolos continuaram a usar o templo como um local de oração e de alcançar os que não creram ainda na comunidade. Mas mesmo naqueles dias, a vida da igreja estava centrada em outro local: “Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo” (Atos 2:46-47).
Logo, no entanto, a perseguição expulsou permanentemente a maioria dos Cristãos dos “lugares sagrados” de Israel. Quando Saulo de Tarso iniciou sua campanha, a maioria dos fiéis deixou Jerusalém e o templo para trás. Em poucos anos, as sinagogas judias em todo o império começaram a excluir os Cristãos.
Um novo acontecimento teve um impacto ainda maior: milhares de gentios começaram a crer em Jesus, primeiro na Antióquia, depois em centenas de cidades espalhadas por três continentes. Esses novos Cristãos não tinham qualquer noção ou conhecimento histórico dos “lugares sagrados” judeus. Mesmo se tivessem, eram excluídos da adoração no templo em Jerusalém. Em AD 70, toda a questão do templo havia, é claro, se tornada acadêmica. O exército romano responde à revolta dos judeus arrasando Jerusalém, inclusive o templo—que jamais foi reconstruído.
Esses primeiros Cristãos rejeitavam a noção de construir seus próprios templos ou santuários. Os arqueologistas nos contam que a primeira construção conhecida com finalidade religiosa associada ao cristianismo não foi feita até o terceiro século, mais de duzentos anos depois de Jesus ter ascendido até o Pai!
As cenas apresentadas pelo Novo Testamento mostram que os primeiros cristãos, como Jesus, simplesmente vivenciavam sua vida com Deus no “mundo real”. Paulo, por exemplo, diria “Não deixei de pregar-lhes nada que fosse proveitoso, mas ensinei-lhes tudo publicamente e de casa em casa” (Atos 20:20). É nesses lugares que os cristãos se reuniam nas cidades e vilas do império—em diversos locais públicos e residências particulares.
Onde, então, ficava o lugar sagrado dos cristãos? Jesus havia profetizado que chegaria o dia em que a geografia seria irrelevante para a vida espiritual (Lucas 17:20-21; João 4:20-23). Ao contrário, o local da moradia de Deus seria dentro de um povo. E é exatamente assim que os primeiros cristãos se viam. A palavra “igreja”, por exemplo, é ambígua e, portanto, enganadora. Ela pode se referir a várias coisas, sendo que a maioria delas sequer existia quando o Novo Testamento foi escrito. Em seu lugar, os primeiros cristãos usavam a palavra grega ecclesia, que significa “os chamados”. Eles se viam como tendo sido chamados para fora do mundo e reunidos em um novo organismo vivo que tinha Jesus como seu dirigente. O templo—o local especial de morada de Deus—não era mais um local geográfico. Ele estava dentro da ecclesia.
O perseguidor que se tornou apóstolo, Paulo, viu e ensinou essa verdade com grande paixão e clareza:
Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular, no qual todo o edifício é ajustado e cresce para tornar-se um santuário santo no Senhor. Nele vocês também estão sendo edificados juntos, para se tornarem morada de Deus por seu Espírito. (Efésios 2:19-22)
Novamente,
Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente? Que acordo há entre o templo de Deus e os ídolos? Pois somos santuário do Deus vivo. Como disse Deus:
“Habitarei com eles e entre eles andarei; Serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Portanto, saiam do meio deles e separem-se”, diz o Senhor. “Não toquem em coisas impuras, e eu os receberei e lhes serei Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas”, diz o Senhor todo-poderoso.” (2 Coríntios 6:14-18)
Pedro, que se concentrou mais em ajudar e ensinar cristãos de origem judaica, concordou sinceramente:
À medida que se aproximavam dele, a pedra viva—rejeitada pelos homens, mas escolhida por Deus e preciosa para ele—vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo. Pois assim é dito na Escritura: “Eis que ponho em Sião uma pedra angular, escolhida e preciosa, e aquele que nela confia jamais será envergonhado”. (1 Pedro 2:4-6)
Os primeiros cristãos estavam unidos na crença de que Jesus vivia entre e dentro de Seu povo. E eles não apenas acreditavam nisso, eles o vivenciavam.
O Dia Sagrado dos Cristãos: Hoje!
O que dizer, então, dos dias especiais? A igreja em seus primórdios escolheu um determinado dia da semana como sagrado? Eles distinguiam determinadas estações ou “dias sagrados” como sendo particularmente importantes? A ecclesia de Jesus adotava um “calendário eclesiástico”?
De novo, a resposta é um claro não.
Lembre-se, Jesus ensinou muitas coisas a Seus seguidores, porém a observância de dias especiais não estava nessa lista. Ao contrário, Ele enfatizou a santidade do hoje. Este dia—seja qual for seu nome no calendário—era o dia de se oferecer a Deus em dependência confiante e pacífica (Mateus 6:11, 25, 33-34; Lucas 3:23-24).
Quando Jesus deixou nosso planeta para retornar ao Pai, Ele incitou Seus seguidores a ensinar a cada novo convertido que também obedecesse a Suas instruções. É exatamente isso que eles fizeram sobre essa questão de dias especiais.
Era difícil para os novos cristãos, sem dúvida—em especial para aqueles que tinham uma origem fundamentada em tradições religiosas. Os apóstolos eram pacientes com eles. Quando alguém considerava um dia mais sagrado que os demais, Paulo reconhecia nisso um sintoma de fé “fraca”, mas se recusava a julgá-lo (veja Romanos 14). Mas quando alguém tentou transplantar a observância de dias especial para o cristianismo como uma religião, a tolerância de Paulo subitamente acabou. Ele escreveu às ecclesias Gálatas:
Agora, conhecendo Deus, ou melhor, sendo por Ele conhecidos, como é que estão voltando àqueles mesmos princípios elementares, fracos e sem poder? Querem ser escravizados por eles outra vez? Vocês estão observando dias especiais, meses, ocasiões específicas e anos! Temo que meus esforços por vocês tenham sido inúteis. (Gálatas 4:9-11)
Sim, você ouviu direito o que Paulo disse! Ele chamou a observância de dias religiosos especiais de um princípio “fraco e miserável” para conhecer Deus. O fato de que os gálatas estivessem fazendo isso fez Paulo refletir se os anos de sangue, suor e lágrimas que gastou com eles tinham-nos feito algum bem.
Paulo não estava sozinho nessa atitude. É fascinante que nas primeiras seis décadas do cristianismo, conforme registrado no livro de Atos e nas cartas apostólicas, há apenas três referências aparentes ao primeiro dia da semana, domingo. Apenas uma delas descreve algo parecido com uma reunião de cristãos. E é muito incomum: começou em um dia, continuou por toda a noite, continuou pela manhã seguinte e nela Paulo fez com que um jovem voltasse dos mortos! Um dos dias desse encontro de dois dias por acaso era domingo—já que Paulo estava indo embora da cidade na segunda-feira e não voltaria mais.
Em sessenta anos, isso é tudo.
Os mesmos livros do Novo Testamento mantêm um silêncio total sobre “feriados cristãos”. A data do nascimento de Jesus nem mesmo é registrada e certamente não há menção de que os primeiros cristãos observassem-na durante os séculos posteriores. Da mesma forma, o registro do Novo Testamento nada diz sobre os primeiros cristãos celebrarem o dia da ressurreição ou ascensão de Jesus, ou qualquer outra ocasião.
Quando falam das festas e dias sagrados dos judeus, é para indicar que seus significados foram satisfeitos de maneiras maiores e melhores em Jesus. Jamais é para exortar os outros a observar tais dias.
A Páscoa? Na “religião perfeita” que Deus havia dado aos judeus, ela envolvia um banquete com o sacrifício de um cordeiro e pão não-fermentado. Mas e agora? Paulo disse que Jesus era o “cordeiro da Páscoa” dos crentes. A própria ecclesia era o “pão não-fermentado”, contanto que estivesse repleta de sinceridade e verdade ao invés de “fermento” da malícia e da maldade (1 Coríntios 5:6-8).
E o Sabá? Na “religião perfeita”, era comemorado no sétimo dia da semana, quando Deus havia descansado de Seu trabalho de criação. Mas e agora? Os escritos apostólicos novamente não nos dão nenhuma indicação de que o sabá devia ser transferido para um dia diferente da semana. O autor do livro dos Hebreus afirma que um “descanso do sabá” permanece válido para o povo de Deus, mas não é observada escolhendo um dia da semana. Ao contrário, os crentes entram nesse descanso ao deixar de manter leis religiosas e passar acreditar em Jesus (Hebreus 4:1-11)!
Como seu Pioneiro, para os primeiros discípulos apenas um dia era tido como sagrado—hoje. Por exemplo:
Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo. Ao contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado (Hebreus 3:7-13).
O dia mais importante na “religião cristã” é sempre hoje, não importa o que diz o calendário. Um modo fundamental de observar a “santidade” de hoje é sair de nós mesmos e descobrir um modo de encorajar, advertir e inspirar um irmão ou irmã.
O encorajamento diário era o lema dos primeiros fiéis durante o século I. Lemos sobre a igreja de Jerusalém:
Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais foram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos. (Atos 2:42-47)
Anos mais tarde, Paulo ainda podia dizer à ecclesia dos Efésios: “Lembrem-se de que durante três anos jamais cessei de advertir cada um de vocês disso, noite e dia, com lágrimas” (Atos 20:31).
Jesus ensinou que cada dia devia ser impregnado com a religião simples da consagração sem interesses próprios e da confiança em um Pai amoroso. É assim que os primeiros cristãos viviam entre si. Afinal, a escolha de outros “dias especiais” era um expediente que eles não precisavam nem queriam.
O Homem Sagrado dos Cristãos: Jesus—e Todos os que Crêem!
O que dizer, então, dos homens especiais? Os primeiros crentes implementaram alguma versão de sacerdócio, como todas as outras religiões mundiais o fizeram—e ainda fazem? Afinal, a súbita afluência de cristãos recém-convertidos requeria algum tipo de liderança que cuidasse deles, não? As primeiras igrejas designaram determinados cristãos como líderes e os deram títulos, cargos e até mesmo salários? Ou, novamente, escolheram um “caminho menos trilhado”, uma trilha raramente usada por seu Líder, Jesus?
Para começo de conversa, deixe-nos afirmar que grandes homens e mulheres da fé—pelo menos segundo a definição de grandeza de Deus—com certeza vagavam pela terra naqueles dias. Eles ofereceram muita ajuda às ecclesias. Sem seus dons e sem a fé com que exerciam tais dons, os primeiros fiéis jamais teriam aumentado da forma que fizeram.
Porém, ao mesmo tempo, deixe-nos também afirmar que de nenhuma forma as primeiras igrejas praticaram a liderança seguindo um modelo de sacerdócio, com uma “casta” profissional do clero. Simplesmente não foi assim que aconteceu.
As últimas ordens de Jesus a Seus seguidores incluíam esta declaração ressoante: “Foi-Me dada toda a autoridade nos céus e na terra” (Mateus 28:18). Os primeiros fiéis sabiam e ensinavam que quando Jesus ascendeu aos céus, o Pai:
…assentou-O à sua direita, nas regiões celestiais, muito acima de todo governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa mencionar, não apenas nesta era, mas também na que há de vir. Deus colocou todas as coisas debaixo de Seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja. (Efésios 1:20-22)
A autoridade absoluta de Jesus era algo que eles consideravam com muita, muita seriedade. De forma alguma eles aturavam que alguém diminuísse ou subestimasse tal autoridade. Uma das críticas mais severas nas escrituras é a afirmação de João sobre um “líder” chamado Diótrefes: “Ele gosta muito de ser o mais importante entre eles” (3 João 9). João não estava nada satisfeito, prometendo voltar e “chamar a atenção dele para o que está fazendo”. Toda a autoridade pertencia a Jesus. A presunção humana simplesmente não era tolerada nas ecclesias.
Os primeiros fiéis sabiam e eram ensinados sobre algo mais em relação à ascensão de Jesus: “Quando Ele subiu em triunfo às alturas, levou cativos muitos prisioneiros, e deu dons aos homens” (Efésios 4:8). Eles entendiam o que aconteceu naquela manhã de verão em Jerusalém, cinqüenta surpreendentes dias depois da crucificação. Quando o ambiente era preenchido por um vento poderoso e labaredas, Jesus estava derramando Seu Espírito sobre Seu povo (Atos 2:33). Ele estava partilhando Seu Espírito, com todas as facetas maravilhosas de Seu caráter surpreendente, com os seres humanos. Como Paulo explicou:
A cada um é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum. Pelo Espírito, a um é dada a palavra da sabedoria; a outro, pelo mesmo espírito, a palavra do conhecimento; a outro, fé, pelo mesmo Espírito; a outro, dons de curar, pelo único Espírito; a outro, poder para operar milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a outro, variedade de línguas; e ainda a outro, interpretação de línguas. Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as distribui individualmente, a cada um, como quer. (1 Coríntios 12:7-11)
Cada um desses dons era Jesus, distribuindo Seu Espírito entre Seus irmãos e irmãs, capacitando-os a ajudar uns aos outros como Ele havia feito. Nesse sentido, cada um desses dons era igualmente Jesus e, portanto, igualmente “autorizada” à sua própria maneira.
A liderança, então, era um desses dons. Como vimos, ela devia ser expressa com autoridade, porém jamais com autoritarismo. Ela abstinha-se de títulos. Era vivida por meio do relacionamento com as pessoas, não do posicionamento acima delas. Sua meta era capacitar as pessoas para que exercessem seus dons, não subjugar outros por meio do controle ou “microgestão”.
É por isso que quando as primeiras ecclesias se reuniam para encorajamento, oração, ensinamentos e adoração, não havia nenhuma indicação de um “palestrante designado” ou “mestre de cerimônias” responsável. As pessoas não eram dividias em “púlpito” e “bancos”. Ninguém controlava a reunião—exceto Jesus.
Aqui temos a melhor descrição de todo o Novo Testamento sobre como os cristãos deviam se reunir:
Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em uma língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja. Se, porém, alguém falar em língua, devem falar dois, no máximo três, e alguém deve interpretar. Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus. Tratando-se de profetas, falem dois ou três, e os outros julguem cuidadosamente o que foi dito. Se vier uma revelação a alguém que está sentado, cale-se o primeiro. Pois vocês todos podem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos sejam instruídos e encorajados. (1 Coríntios 14:26-31)
Como as ecclesias deviam se reunir? Todos eram responsáveis por usar seus dons para edificar os outros. Todos os dons eram bem-vindos e valorizados. Havia muitos tipos diferentes de “flores” no “buquê” dos encontros cristãos, e cada um deles era bem-vindo. Nenhuma pessoa dominava individualmente. Cada indivíduo se submetia aos demais, ao ponto de parar no meio de uma sentença se outra pessoa recebesse uma revelação de Deus! Dessa forma, todos “profetizavam em sua vez” e, assim, todos eram “instruídos e encorajados”.
Por todos esses e outros motivos, nas muitas décadas da vida dos primeiros cristãos não surgiu nada que lembrasse, mesmo remotamente, um “sacerdócio profissional” ou clero. Isso era estranho a experiência deles de Jesus. Liderança, sim; um “sistema de casta clerical”, não.
Em relação a “pessoas especiais”, os primeiros fiéis viveram o novo acordo que Deus havia feito com eles por meio de Jesus. Era muito diferente da religião humana, porém era a única maneira de viver que conheciam:
“Essa é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias”, declara o SENHOR. “Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo: ‘Conheça ao SENHOR, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior”, diz o SENHOR. “Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados.” (Jeremias 31:33-34)
A “Religião” do Cristianismo é a “Religião” de Jesus
Como era a “vida da igreja” em AD 30-70? Era idêntica, na verdade, à “vida dos discípulos” durante os três últimos anos da existência física de Jesus. A experiência de companheirismo íntimo havia simplesmente sido transplantada geograficamente para as cidades e vilas do império romano.
De acordo com Lucas, o evangelho que ele escreveu descreve o que Jesus “começou a fazer e ensinar” (Atos 1:1). O livro dos Atos, portanto, é o que Jesus continuou a fazer e ensinar, depois de Sua ascensão. Dessa vez Ele estava “fazendo e ensinando” por meio de Seu povo, a ecclesia.
Os fiéis do século I, portanto, viam a si mesmos como continuando a vida que os primeiros seguidores haviam desfrutado com Jesus nas colinas e estradas da Galiléia e da Judéia. Eles ainda eram Sua família espiritual, “assentados ao seu redor” (Marcos 3:34). Eles ainda se apegavam a cada palavra Sua. Eles ainda edificavam suas vidas sobre a fundação de colocar tais palavras em prática. Atos 2:42-49 é na verdade apenas uma descrição de muitos milhares de pessoas colocando juntas Mateus 5-7 em prática.
A “religião” do cristianismo na verdade se destina a ser a “religião” de Jesus. Não é nada mais—e certamente nada menos.
Ao se rebelar no Jardim do Éden, a humanidade perdeu o direito a uma dependência íntima, amorosa, face-a-face de Deus. A religião—com sua categorização de dias, lugares e pessoas em “sagrados” e “seculares”—mostrou-se ser um substituto insatisfatório do Paraíso. Quando Deus ofereceu uma religião perfeita, rica de significado, a raça humana se mostrou incapaz de vivenciá-la. Jesus era a resposta extraordinária de Deus a esse dilema. Pela primeira vez no milênio, os seres humanos tinham uma oportunidade de caminhar com Deus frente-a-frente em amorosa dependência. Quando Jesus voltou aos céus, essa oportunidade não se perdeu. Longe disso! A “Crist-andade” era meramente um nome que as pessoas deram àquela vida de confiança íntima depois da ascensão.
Os primeiros fiéis proclamaram com clareza, coragem e alegria que Jesus morreu, que Ele foi enterrado, que ressuscitou, que ascendeu à direita do Pai e que despejou Seu Espírito em Seus seguidores. Jesus não era um herói morto ou um fundador profundamente amado. Ele estava vivo e muito ativamente envolvido nas vidas de Seu povo.
O cristianismo daqueles dias não precisava de armadilhas religiosas. Ela deixou para trás o paradigma de dias-lugares-homens especiais em favor de uma nova Realidade de relacionamento, com Deus e com Seu povo.
Se você nasceu uma segunda vez, essa vida é sua por direito.