A Próxima Geração: a Força da Gravidade

A necessidade daquele momento, a julgar por todas essas cartas, era uma alteração decisiva do foco para a Pessoa e os ensinamentos de Jesus, uma lealdade firme à Vida da ecclesia local, uma rejeição clara da decepção religiosa e um compromisso sincero de seguir adiante na fé.

19/12/2007

A Vida da Ecclesia

A espécie humana foi criada com um propósito: amizade com Deus.

Uma vez, em um lugar não tão distante e há não muito tempo, o homem e a mulher viveram com seu Criador em um estado de contentamento pacífico e submissão amorosa. Eles experimentavam o Seu amor e cuidado todos os segundos do dia e em todos os metros quadrados de seu lar paradisíaco. Eles perderam sua razão total de existência, entretanto, com uma tentativa tragicamente estúpida de serem seus próprios deuses. E não funcionou. Os humanos falharam miseravelmente em serem minidivindades independentes.

Porém, em uma mostra surpreendente de criatividade e amor, Deus deu à humanidade uma segunda chance de amizade. Ele começou aparecendo em Pessoa e literalmente caminhando com qualquer um que fosse humilde o suficiente para apreciar a oportunidade. Depois de atingir Seu objetivo por meio da cruz, Ele retornou aos céus. Mas Deus não ficou apenas lá, localizado em uma dimensão inacessível fora de nosso universo. Ao invés disso, Ele se derramou sobre cada homem e mulher que finalmente estava pronto para aceitar a submissão amorosa e confiante que sua espécie havia rejeitado no Jardim do Éden.

Deus criou um novo paraíso, um novo lugar para caminhar em amizade com o homem. Esse lugar era conhecido como a ecclesia, a igreja. Era edificado de uma rede entrelaçada de vidas, unidas diariamente por uma devoção comum a Jesus e ao outro.

O cristianismo desses dias não se parecia com nada que o mundo tivesse visto desde o Éden. Era desconhecida na história: uma raça de pessoas que renunciou à sua autonomia e saudou seu Criador para que entrasse nos recantos e frestas de suas vidas diárias. Eles não tentavam mais confiná-Lo em alguns dias especiais ou em um punhado de lugares especiais. Não criavam mais homens especiais como amortecedores para ficar entre eles e seu Deus. Agora todos os dias chamados “hoje” eram especiais. Todos os lugares onde a ecclesia estivesse, seja “em público” ou “de casa em casa”, era sagrado. Todos os membros “do menor ao maior”, era um “sacerdote real”.

O resultado não era menos que surpreendente.

Pessoas que antes eram cheias de ódio, egoísmo e amargor, agora se amavam umas às outras desesperadamente. Pessoas que antes eram escravizadas por todo tipo de paixão e prazer viciante, agora viviam em liberdade gloriosa. Pessoas que antes adoravam pedras e gravetos, agora tinham um conhecimento íntimo sobre o Deus Vivo.

A ecclesia era o Paraíso restabelecido no meio de um mundo decaído. Era o “paraíso” pela mesma razão que o Éden havia sido: os homens e a mulheres podiam encontrar com seu Criador lá e “caminhar com Ele no frescor do dia”. O Paraíso não significava “utopia”, é claro. Havia problemas. Porém a ecclesia oferecia uma base onde os problemas podiam ser resolvidos. As cartas dos apóstolos às ecclesias locais ocupando as cidades do império romano estavam repletas de instruções e orientações práticas sobre como resolver as causas de qualquer confusão ou desordem. E as pessoas escutavam. Mesmo nas assembléias locais mais fracas e inseguras, as pessoas superavam todos os obstáculos para experimentar a Vida verdadeira (veja, por exemplo, 2 Coríntios 7:5-16).

A igreja do primeiro século pairou com Deus em asas de águia. Mas a força da gravidade jamais foi embora. O mundo decaído—com suas noções pagãs de religião e valores carnais de independência e auto-indulgência—jamais deixou de exercer sua força nos fiéis, tentando arrastá-los novamente para o domínio da humanidade decaída. Por uma geração ou mais, foi como se as ecclesias desafiassem a gravidade. E, de verdade, elas podiam se manter pairando cada vez mais alto com Deus, se assim o desejassem, direto para cima, até o retorno de Jesus. Porém à medida que o final do século se aproximava, o Novo Testamento testemunha que a gravidade do mundo estava começando a ter efeito.

Um pouco antes de AD 70, seis pessoas de extraordinária estatura espiritual—uma delas com uma estatura bastante surpreendente—escreveram cartas advertindo sobre o declínio e exortando as ecclesias a levarem sua fé a um nível mais alto do que jamais haviam conhecido. Essas cartas compõem onze dos últimos livros de nosso Novo Testamento.

Paulo

No passado, Paulo havia sido o maior perseguidor das ecclesias. Mas depois de Jesus muito literalmente derrubá-lo de seu cavalo, Paulo se tornou seu servo mais devotado. Em uma reviravolta surpreendente, o homem que havia dedicado sua vida a esmagar as ecclesias recebeu a atribuição radicalmente diferente de estabelecer e fortalecer novas ecclesias em todo o mundo romano.

O final da existência terrena de Paulo agora se aproximava do final. Logo ele iria morrer nas mãos de um carrasco romano. Antes, no entanto, ele escreveria três cartas a Timóteo e Tito, irmãos que ele considerava fiéis e dotados, para ajudá-los a continuar com o trabalho do evangelho. Ele encheu essas cartas com notas de preocupação e alarme sobre a direção que a igreja parecia estar tomando.

Algumas pessoas já estavam abandonando a Vida e a liberdade do evangelho por uma religião contaminada com a tradição e filosofia humana. Estavam se desviando da simplicidade do “amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera” e se voltando para “discussões inúteis” (1 Timóteo 1:3-7). Eles desenvolveram um “interesse doentio por controvérsias e contendas acerca de palavras, que resultam em inveja, brigas, difamações, suspeitas malignas e atritos constantes”. Eram agora homens “que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os quais pensam que a piedade é fonte de lucro” (1 Timóteo 6:3-5). Na verdade, um desejo de ganhar uns trocos negociando Deus parecia ser sua principal motivação (Tito 1:10-11). Eles já haviam “naufragado” sua própria fé e agora ameaçavam a fé de outros (1 Timóteo 1:18).

Essas pessoas ainda eram uma minoria pequena, embora problemática. Mas Paulo podia antever um dia em que muitos outros também se recusariam a “suportar a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (2 Timóteo 4:3-4).

Os resultados seriam catastróficos:

O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casamento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que crêem e conhecem a verdade. (1 Timóteo 4:1-3)

E novamente:

Nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis. Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder. (2 Timóteo 3:4)

O conselho de Paulo para Timóteo? “Afaste-se desses também.” Paulo não estava falando da “tribulação” em um século distante, mas de um tempo que ele previa plenamente que Timóteo viveria para ver. Lembre-se, para os primeiros Cristãos, os “últimos dias” já haviam começado (Atos 2:17, Hebreus 1:2, Tiago 5:3).

Como que Paulo tentava preparar esses irmãos—e, através deles, a igreja como um todo—para a crise vindoura? Ele os lembrava das fundações rochosas do evangelho que havia passado a eles. Reforçava a importância fundamental da ecclesia, “o pilar e a fundação da verdade”, e fornecia orientações práticas para ensinar seus membros a funcionar como uma unidade saudável. Enfatizava com firmeza em cada carta que a liderança é reconhecida pelo caráter e fecundidade pessoal, não conferido por um cargo ou título ou função. E os animava para o trabalho extenuante que teriam com algumas das exortações mais inspiradoras de toda a Bíblia.

Paulo não era um derrotista. Ele permaneceu, até o final, como um homem de visão, fé e esperança. Entretanto, à medida que a primeira geração de Cristãos passava o bastão para a segunda, Paulo ficava profundamente preocupado. A vitória final da igreja era certa; Deus “esmagará Satanás debaixo dos pés de vocês”. Mas será que as próximas poucas gerações estariam prontas para superar o mal? A ecclesia permaneceria um “jardim” onde Deus e o homem poderiam caminhar com intimidade? Ou estava se desviando em direção a um futuro infeliz?

Pedro e Judas

Outros homens de Deus também estavam ponderando sobre as mesmas questões ao mesmo tempo. Pedro, como Paulo, havia sido um participante maravilhado de alguns dos derramamentos mais fortes do poder de Deus em sua geração ou qualquer outra. Pedro havia caminhado sobre as águas. Ele havia experimentado o milagre do Pentecostes. Foi libertado da prisão por um anjo. Viu o Espírito Santo se despejar sobre os gentios. Testemunhou os mortos levantarem—física e espiritualmente. Ninguém precisava convencer Pedro sobre o poder de Deus. Ele tinha vivenciado esse poder desde o primeiro momento que encontrou Jesus. Era impossível para Pedro ser pessimista, porém, mesmo assim, à medida que sua vida se aproximava do final, ele também passou a compartilhar a preocupação profunda de Paulo de que a igreja estava se dirigindo para uma encruzilhada crucial na estrada.

Pedro respondeu com um par de cartas abertas, não endereçadas a um indivíduo ou mesmo a uma ecclesia específica, mas aos fiéis de toda a metade oriental do império romano. Sua primeira carta, escrita em torno de AD 64, tinha como objetivo fortalecer as ecclesias nas fundações de sua fé e firmar seu suporte espiritual frente à perseguição. Mas sua segunda carta, escrita apenas um ou dois anos depois, tinha um tom bem mais urgente de advertência. Algo havia ocorrido—no ambiente de Pedro ou em seu espírito—para aumentar sua preocupação quanto ao futuro das ecclesias. Ele sabia que menos de um ano depois iria “deixar o tabernáculo de seu corpo (2 Pedro 1:13-14) e tinha algumas coisas que precisava dizer antes de partir do planeta.

Pedro começa essa segunda carta com fortes exortações para que os cristãos “empenhem-se para acrescentar à sua fé” um crescimento prático em direção à maturidade. Ele os desafia a permanecer fiéis às profecias das escrituras e ao testemunho dos apóstolos. Porém sua principal ênfase está em uma vigorosa advertência sobre os desafios que logo eles iriam enfrentar dos falsos líderes, mestres e “zombadores” que desorientariam completamente a igreja se deixados sem freios:

Surgirão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. Muitos seguirão os caminhos vergonhosos desses homens e, por causa deles, será difamado o caminho da verdade. Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda. (2 Pedro 2:1-3)

As pessoas que leram essas palavras eram “amigos queridos” de Pedro e ele estava confiante de que eles “já sabiam” como não se desviar para a falsa religião. Mesmo assim, ele sentia a necessidade urgente de alertá-los: “Guardem-se para que não sejam levados pelo erro dos que não têm princípios morais, nem percam a sua firmeza e caiam. Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 3:17-18).

As ecclesias estavam realmente sob o risco de serem “levadas” pelo erro religioso? Elas poderiam “cair” de sua posição “firme”?

Pedro não era o único que pensava assim. O meio-irmão de Jesus, Judas, escreveu uma carta bastante similar, provavelmente mais ou menos um ano depois da carta de Pedro. Na verdade, Judas pode ter lido a carta de Pedro e enviado sua própria versão mais curta para reforçar as advertências que Pedro havia dado. Sem dúvida, Judas expressou exatamente as mesmas preocupações, com um texto semelhante:

Amados, embora estivesse muito ansioso por lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos, senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé de uma vez por todas confiada aos santos. Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês. Estes são ímpios, e transformam a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor. (Judas 3-4)

O restante da carta curta, porém poderosa, de Judas enfatiza sua preocupação de que seus “amados” precisem se lembrar “do que foi predito pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo”: ‘Nos últimos tempos haverá zombadores que seguirão os seus próprios desejos ímpios.’ Estes são os que causam divisões entre vocês, os quais seguem a tendência da sua própria alma e não têm o Espírito” (Judas 17-19)

Judas exortou seus leitores a “edificarem-se na santíssima fé que têm” (Judas 20. Deus era capaz de “impedi-los de cair” (Judas 24), mas a possibilidade da força da gravidade os puxar para baixo e tirá-los de sua posição firme era muito real.

O Autor do Livro de Hebreus

Mais ou menos na mesma época, um autor anônimo escreveu outra carta aberta endereçada aos santos de origem judaica. Nós chamamos esse texto de o livro dos Hebreus. Podemos não saber o nome do autor, porém sabemos com certeza que ele tinha uma revelação profunda de Jesus e uma preocupação igualmente profunda com o estado atual e a direção futura da igreja. Esse autor, também, sentiu que a força do mundo estava afetando as ecclesias. “É preciso que prestemos maior atenção ao que temos ouvido”, escreve ele, “para que jamais nos desviemos. Porque, se a mensagem transmitida por anjos provou a sua firmeza, e toda transgressão e desobediência recebeu a devida punição, como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hebreus 2:1-3)

É o mesmo sentimento que vemos nas últimas cartas de Paulo, Pedro e Judas: a igreja estava em risco porque estava se desviando de algo crucialmente importante.

De um lado, os cristãos estavam perdendo seu apego aos ensinamentos básicos fundamentais de Jesus e Seus apóstolos:

Temos muito que dizer, coisas difíceis de explicar, porque vocês se tornaram lentos para aprender. Embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês precisam de alguém que lhes ensine novamente os princípios elementares da palavra de Deus. Estão precisando de leite, e não de alimento sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança, e não tem experiência no ensino da justiça. Mas o alimento sólido é para os adultos, os quais, pelo exercício constante, tornaram-se aptos para discernir tanto o bem quanto o mal. (Hebreus 5:11-14)

O autor se sentiu compelido a dar a seus leitores precauções rígidas contra dedicar-se a falsos ensinamentos: “Não se deixem levar pelos diversos ensinos estranhos. É bom que o nosso coração seja fortalecido pela graça, e não por alimentos cerimoniais, os quais não têm valor para aqueles que os comem” (Hebreus 13:9).

Os leitores também estavam sendo atraídos por tentações mundanas e pecados. O autor do livro de Hebreus lhes dá essa advertência severa:

Para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra e Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública. (Hebreus 6:1-4)

Que palavras fortes! Os cristãos do século I haviam desfrutado de uma vida espiritual vigorosa. Haviam “experimentado os poderes da era que há de vir”. Quantos cristãos desde aquela época podem dizer honestamente isso? E ainda assim sua posição espiritual estava longe de ser firme.

Além de expressar uma preocupação profunda sobre o direcionamento espiritual de seus leitores, o que o autor do livro dos Hebreus fez para ajudá-los a mudar as coisas?

Primeiro, o autor enaltece Jesus, descrevendo em uma linguagem clara como Ele era tanto o sacrifício para o pecado como também o Sumo Sacerdote que ofereceu tal sacrifício. As palavras “Jesus” e “hoje” aparecem várias vezes na carta. Os leitores precisavam entender que Jesus estava vivo e continuamente disponível, que um relacionamento “aqui e agora” com Deus era sempre possível através Dele.

Depois, o autor destaca a importância vital da ecclesia como fortaleza de Deus para derrotar o maligno. Se cada cristão vivesse no encorajamento e exortação diariamente de irmãos e irmãs, a atração do pecado perderia seu poder de enganar (Hebreus 3:12-14). Além disso, cada membro da igreja devia assumir a responsabilidade pessoal de considerar como inspirar e motivar seus companheiros na fé em direção ao amor e às boas obras (Hebreus 10:24-25).

Finalmente, o autor exortou seus leitores a buscar nos heróis passados da fé a inspiração para os desafios futuros (Hebreus 11). Eles não deviam apenas manter sua posição, mas pressionar ainda mais para cima: “Por isso, não abram mão da confiança que vocês têm; ela será ricamente recompensada. Vocês precisam perseverar, de modo que, quando tiverem feito a vontade de Deus, recebam o que Ele prometeu” (Hebreus 10:35-36).

A necessidade daquele momento, a julgar por todas essas cartas, era uma alteração decisiva do foco para a Pessoa e os ensinamentos de Jesus, uma lealdade firme à Vida da ecclesia local, uma rejeição clara da decepção religiosa e um compromisso sincero de seguir adiante na fé.

João

Cedo na vida, João—“o apóstolo que Jesus amava”—desfrutou de uma profunda amizade com seu Mestre. Por três anos, o “bando de irmãos e irmãs” que seguia Jesus havia experimentado “caminhar com Deus no frescor do dia”. João, mais do que qualquer outro, tinha compreendido o imenso privilégio que eles haviam tido. Ele jamais se afastava de Jesus. João esteve com Jesus na Montanha da Transfiguração e com Ele no Monte das Oliveiras. João foi um dos poucos a arriscar sua vida para ficar perto do pés da cruz. Ele também foi o primeiro apóstolo a acreditar que Jesus havia levantado dos mortos. João, junto com Pedro, estava na linha de frente de proclamação do Cristo ressuscitado por toda a Judéia e Samaria. Ele foi um pilar da ecclesia de Jerusalém.

João sabia o que viver “aqui e agora” com Jesus significava, não apenas quando Jesus estava vivendo em Seu corpo físico, mas também quando Ele estava vivendo em Seu Corpo, a igreja. Ele entendeu como era criticamente importante que as ecclesias rejeitassem a estrada baixa da religião e, ao invés disso, pressionarem cada vez mais para o alto, com seu Senhor.

Não há dúvidas sobre porque, à medida que a primeira geração de fiéis dava passagem à segunda e à terceira gerações, João se sentia tão profundamente preocupado sobre o que via. Ele, também, percebeu um “desvio”. Em resposta, escreveu três cartas que foram preservadas em nosso Novo Testamento—duas notas curtas de advertência para locais específicos e uma carta longa enviada para as ecclesias em geral. Não foi por coincidência que João escreveu suas cartas no mesmo momento que Paulo, Pedro e Judas estavam escrevendo sobre suas próprias preocupações.

Na primeira carta memorável, João apresenta em termos claros diversos testes planejados para diferenciar o cristianismo genuíno da mera religião. Jesus era real. João tinha ouvido, visto e tocado Ele. O companheirismo com Jesus aqui e agora podia ser igualmente real. Mas exigia viver na luz—chamando pecado de pecado e vir à Jesus para obter perdão com honestidade e exposição, sempre que alguma treva surgisse na vida daquele que Crê. Significava obedecer a Jesus na vida prática diária. Na verdade, significava viver do modo como Jesus viveu. Exigia um amor constante e uma rejeição inflexível—amor pelos irmãos e irmãs e rejeição do mundo e de seus caminhos. Pedia uma expectativa ansiosa pela volta de Jesus e uma busca apaixonada da pureza como preparação para Sua vinda.

Um relacionamento real com Jesus sempre muda a vida de uma pessoa, de acordo com João. Afinal, Jesus veio ao planeta Terra para “destruir as obras do diabo”. É exatamente isso o que Ele também iria fazer ao entrar na vida de uma pessoa.

João estava determinado a elevar o padrão do Cristianismo genuíno. Ele também queria advertir os fiéis sobre a falsa religião que podia ver labutando na igreja. Como imperativo, afirmava às ecclesias que “não creiam em qualquer espírito”. Ao invés disso, elas devem examinar “os espíritos para ver se eles procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo” (1 João 4:1).

Ele os incitava:

Filhinhos, esta é a última hora e, assim como vocês ouviram que o anticristo está vindo, já agora muitos anticristos têm surgido. Por isso sabemos que esta é a última hora… cuidem para que aquilo que ouviram desde o princípio permaneça em vocês. Se o que ouviram desde o princípio permanecer em vocês, vocês também permanecerão no Filho e no Pai. E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna. Escrevo-lhes estas coisas a respeito daqueles que os querem enganar. Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas, como a unção dele recebida, que é verdadeira e não falsa, os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele como ele os ensinou. (1 João 2:18-27)

Ele ecoou o mesmo tom de advertência em uma breve carta para uma ecclesia local específica, no documento que agora chamamos de 2 João:

Muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em corpo. Tal é o enganador e o anticristo. Tenham cuidado, para que vocês não destruam o fruto do nosso trabalho, antes sejam recompensados plenamente. Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tem o Pai e também o Filho. Se alguém chegar a vocês e não trouxer esse ensino, não o recebam em casa nem o saúdem. Pois quem o saúda torna-se participante das suas obras malignas. (2 João 7-11)

Havia um rumor circulando durante o século I de que João jamais morreria, mas permaneceria na terra até o retorno de Jesus. João sabia que isso não era verdade. Ele percebeu que seus dias restantes eram poucos. Ele também percebeu como era grave o risco que a igreja já corria frente à força gravitacional do mundo e da religião humana carnal. É por isso que trabalhou tanto para recalibrar a compreensão dos cristãos sobre qual era o significado do cristianismo. Havia um risco real de que algo imensamente precioso—algo que João tinha ouvido, visto e tocado—pudesse ser esquecido nas gerações vindouras.

O Próprio Jesus

Os anos passaram. O final do século I se aproximava com rapidez. Pedro e Paulo já tinham sido “promovidos” para uma moradia em tempo integral nos domínios celestiais. Toda a primeira geração de discípulos também já havia virtualmente deixado o planeta Terra. João era um dos poucos que ainda estavam aqui. Como o idoso “discípulo que Jesus amava” estava no exílio na ilha de Patmos, seu Mestre decidiu dar a ele uma última tarefa: escrever o texto que hoje chamamos de Apocalipse.

Jesus começou Sua visita a João ditando sete cartas memoráveis, endereçadas a sete ecclesias locais da Ásia Menor. Dessa vez, elas não foram assinadas por João, mas sim pelo próprio Jesus. Essas cartas oferecem uma visão do “estado da igreja” em toda a região em torno do AD 90. A imagem mostrada é inquietante: cinco das sete ecclesias recebem uma advertência ou reprimenda de Jesus.

Há pelo menos duas tendências perturbadoras. Primeiro, há um desvio difuso em direção aos falsos ensinamentos. O que os apóstolos previram estava acontecendo. Falsos apóstolos, “nicolaítas” e “Jezabel” estavam tentando espalhar mentiras como se fossem algum “segredo profundo”. Eles atraíam muitos para as noções pagãs da “religião misteriosa”, que basicamente nada mais eram do que uma gratificação medíocre dos apetites carnais. Esses falsos mestres estavam fazendo incursões alarmantes em diversas ecclesias e na maioria delas estavam sendo “tolerados”. Jesus não estava satisfeito.

Segundo, havia uma letargia espiritual rasteira e a inércia começava a se estabelecer. Jesus repreendeu uma ecclesia por estar morta, outra por estar morna e uma terceira por abandonar seu primeiro amor. As ecclesias tinham ignorado muito as advertências dos apóstolos e dos profetas. Estavam permitindo que a gravidade do mundo pagão as rebaixassem para o seu nível. Algo precisava ser feito, e logo. Jesus os incitou: “Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio”.

Jesus faz então uma advertência que inclui algumas das palavras mais alarmantes das escrituras: “Se não se arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro do lugar dele” (Apocalipse 2:5).

O termo “candelabro” é uma palavra figurativa que representa a identidade dessas assembléias locais de fiéis como ecclesias à vista de Deus (veja Apocalipse 1:12-20). Quando Jesus disse que removeria seu candelabro, Ele os estava avisando que se o declínio espiritual atual continuasse, pelo menos uma das sete igrejas logo perderia o direito de ser chamada de ecclesia! Eles poderiam continuar indefinidamente como uma sociedade religiosa, porém não seriam mais uma igreja genuína. Jesus não caminharia mais entre eles, em amizade.

O paraíso seria novamente perdido.

Foi um século notável, que começou com o nascimento de Jesus, continuou com Sua vida, morte e ressurreição, prosseguiu com o estabelecimento da ecclesia como Sua morada na terra e culminou com a dispersão da vida na ecclesia através do mundo romano. Durante esses poucos anos notáveis, Deus reverteu a maldição que havia pendido sobre a raça humana por milênios.

Mas o que essa nova raça da humanidade faria com esse presente precioso? Com o começo do próximo século, eles se elevariam a novas alturas com Deus? Ou deixariam que a gravidade os arrastasse de sua “posição firme” em Jesus?

aosseuspes.com
Portugues Languages icon
 Share icon