UM SOM EM UM SONHO

1915

Um Som em um Sonho

Marco dormiu tranquilamente por várias horas. Não houve nada para acordá-lo durante todo esse tempo. Mas no fim seu sono foi interrompido por um som definido. Ele sonhara que ouvira uma voz distante e, ao tentar ouvir o que estava dizendo, um som curto e metálico o acordou por completo. O barulho cessou quando estava completamente consciente e de repente ele percebeu que a voz no seu sonho fora real e ainda estava falando. Era a voz da pequena velha mulher e ela estava falando rapidamente como se estivesse na maior pressa. Ela estava falando pela a porta.

― Você deverá procurar ― foi tudo o que ouviu. ― Não tenho um momento a perder! E enquanto ouvia os pés dela partindo rapidamente, vieram a ele as seguintes palavras com seus ecos apressados ― Você é muito novo para a adega. Não aguentei simplesmente abandoná-lo!

Ele pulou para a porta e tentou abrir, mas ainda estava trancada. Os pés subiram os degraus da adega e andaram pelo corredor, e a porta da frente fechou com um estrondo. A mãe e o filho haviam ido embora, como haviam ameaçado. A voz fora agitada assim como apressada. Algo acontecera para deixá-los amedrontados, e haviam deixado a casa com muita pressa.

Marco virou-se e ficou de pé com suas costas contra a porta. A gata acordara e o fitava com seus olhos verdes. Ela começou a ronronar animadoramente. Ela realmente ajudou Marco a pensar. Ele estava pensando com toda sua força e estava tentando lembrar.

“Por que ela veio? Ela veio por algum motivo.” ele disse para si mesmo. “O que foi mesmo que ela disse? Eu só ouvi parte do que ela disse porque estava dormindo. A voz no sonho foi parte do que disse. A parte que ouvi foi ‘Você deverá procurar. Não tenho um momento a perder!’ E enquanto corria pelo corredor ela gritou de novo para ele, ‘Você é muito novo para a adega. Não aguentei simplesmente abandoná-lo!’ Ele disse as palavras de novo e de novo e tentou recordar exatamente como elas haviam soado e também recordar a voz que aparentara ser parte de um sonho mas que realmente havia sido algo real. Então ele começou a pôr em prática sua experiência favorita. Assim como ele várias vezes pôs em prática a experiência de mandar sua mente dormir, também ele frequentemente experimentava mandá-la trabalhar para ele, tornando-a como um escravo – para ajudá-lo a lembrar e entender as coisas e argumentar sobre elas claramente.

“Explique isso para mim,” ele disse para sua mente, bem natural e calmamente. “Mostre-me o que isso significa.”

Por que ela viera? Era óbvio que ela estava com pressa demais para, sem nenhuma razão, gastar tempo para ir até lá. Qual fora a razão? A única coisa boa que ela podia fazer para ele seria algo que iria ajudá-lo a sair da adega. Ela dissera duas vezes que não aguentaria apenas deixá-lo lá. Se ele estivesse acordado, teria escutado tudo que ela disse e entendido o que ela queria que ele fizesse ou o que pretendia fazer por ele. Ele não devia nem mesmo parar de pensar nisso. As primeiras palavras que ouvira – quais foram mesmo? Elas foram menos claras para ele do que suas últimas por que ele só as ouvira enquanto acordava. Mas ele pensou que certamente elas foram: “Você deverá procurar.” Procurar. Procurar o que? Ele pensou e pensou. O que ele deveria procurar? Ele sentou-se no chão da adega e segurou sua cabeça com as mãos, pressionando seus olhos tão forte que luzes curiosas flutuavam diante dele.

E em alguns minutos, ele relembrou de algo que parecia tanto fazer parte do seu sono que não tinha certeza se havia sonhado aquilo. O som metálico! Ele pulou e ficou de pé com um pequeno grito ofegante. O som metálico! Fora a argola de metal, batendo ao cair. Qualquer coisa de metal soaria como aquilo. Ela jogara algo feito de metal na adega. Ela jogara pela a brecha nos tijolos perto da porta. Ela jogara a ele a única coisa que poderia libertá-lo. Ela jogara para ele a CHAVE da adega!

Por alguns minutos os sentimentos que surgiram nele eram tão cheios de alegria que deixaram sua mente em rodopios. Ele sabia o que seu pai diria – que isso não levaria a nada. Se era para ele pensar, ele deveria se manter quieto e não deixar nem mesmo a alegria dominá-lo. A chave estava na pequena adega preta, e ele deveria achá-la no escuro. Até a mulher que se sentira culpada o suficiente para lhe dar uma chance de liberdade sabia que não deveria abrir a porta e deixá-lo sair. Deveria haver um atraso. Ele precisaria achar a chave por si mesmo e era óbvio que demoraria. A probabilidade de estarem a uma distância segura o suficiente antes de ele sair era bem grande.

― Eu irei me ajoelhar e engatinhar com minhas mãos e joelhos ― ele disse. ― Engatinharei para frente e para trás e ir sobre cada centímetro do chão com minhas mãos até achá-la. Se eu passar por cada centímetro, eu a acharei.

Então ele ajoelhou-se e começou a engatinhar, e a gata o observou e ronronou. ― Nós sairemos, gatinha ― ele disse para ela. ― Eu disse que iríamos.

Ele engatinhou da porta até a parede do lado das prateleiras e depois engatinhou de volta. A chave podia ser bem pequena e seria necessário ele passar suas mãos sobre cada centímetro, como ele dissera. A dificuldade nessa escuridão era ter certeza de que ele não havia perdido um centímetro. Algumas vezes ele não tinha certeza então passava sobre o mesmo lugar de novo. Ele engatinhou para trás e para frente, e engatinhou para frente e para trás. Ele engatinhou transversalmente e longitudinalmente, ele engatinhou diagonalmente e engatinhou em círculos. Mas não achou a chave. Se ele tivesse só um pouquinho de luz, mas não tinha. Ele estava tão absorvido na sua procura que não sabia que se dedicara a ela por várias horas, e que estava no meio da noite. Mas finalmente ele percebeu que deveria parar para descansar porque seus joelhos estavam começando a ficar machucados e suas mãos estavam doloridas por ter ficado esfregando-as no piso. A gata e seus gatinhos haviam dormido e acordado de novo umas duas ou três vezes.

― Mas está em algum lugar! ― ele disse confiantemente. ― Está dentro da adega. Ouvi algo feito de metal cair. Foi esse o barulho metálico que me acordou.

Quando ficou de pé, percebeu que estava dolorido e bem cansado. Ele se esticou e exercitou os braços e pernas. “Gostaria de saber quanto tempo fiquei engatinhando por aqui”, ele pensou. “Mas a chave está dentro da adega. Está dentro da adega.”

Ele sentou-se perto da gata e sua família e, descansando seus braços na prateleira acima da gata, descansou sua cabeça na prateleira. Ele começou a pensar numa outra experiência.

― Estou tão cansado, e creio que dormirei de novo. Certamente acharei quando acordar. Então dormiu, num sono profundo.

Ele não sabia que havia dormido o resto da noite. Mas dormiu. Quando acordou, estava claro nas ruas e as carroças vendendo leite estavam começando a tinir ao passarem na rua e os carteiros estavam dando duas grandes batidas nas portas. Talvez a gata ouvira as carroças vendendo leite, mas o fato era que ela mesma estava com fome e queria sair à procura de comida. Assim que Marco levantou a cabeça do seu braço e sentou, ela pulou da sua prateleira e foi para a porta. Ela esperara achar a porta entreaberta como estava antes. Quando a achou fechada, ela arranhou a porta e ficou perturbada por ver que isso não adiantou. Por saber que Marco estava na adega, ela sentiu que tinha um amigo que iria ajudá-la e miou simpaticamente. Isso fez Marco relembrar a chave.

― Irei quando achar ― ele disse. ― Está dentro da adega. A gata miou de novo, dessa vez bem ansiosa. Os gatinhos ouviram-na e começaram a se mexer e guinchar de modo comovente. Ele colocou sua mão na direção dos gatinhos e tocou algo na prateleira não muito longe deles. Talvez houvesse ficado lá perto do seu cotovelo toda a noite enquanto dormia.

Era a chave! Havia caído na prateleira, e não no chão.

Marco a pegou e ficou de pé parado por um momento e sorriu gratamente. Então ele achou o caminho para a porta e tateou até achar o buraco da fechadura e colocar a chave dentro. Então virou-a e empurrou a porta – e a gata correu pela passagem diante dele.

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