LORISTAN COMPARECE A UMA MANOBRA E MARCO CONHECE UMA SAMAVIANA

1915

Loristan Comparece a Uma Manobra e Marco Conhece uma Samaviana

O Pelotão não foi esquecido. Percebeu-se que até o próprio Loristan consideraria isso uma negligência, como uma violação de tarefas militares. ― Você deve lembrar dos seus homens ― ele disse dois ou três dias depois que O Rato tornou-se membro da família. ― Você deve continuar suas manobras. Marco me diz que foram inteligentes. Não os deixe ficar destreinados.

“Seus homens!” O Rato sentiu algo que não conseguia descrever em palavras.

Ele sabia que ele e o Pelotão trabalharam muito em buracos escondidos e cantos. Somente era possível trabalharem e existirem em buracos escondidos e cantos por causa dos protestos do mundo em que viviam e a vigilância de policiais. Eles haviam tentado vários outros refúgios antes de acharem o Quartel. Todos ressentiam a existência da tropa de moleques barulhentos. Mas de alguma maneira esse homem sabia que algo mais do que mera brincadeira barulhenta evoluíra disso e que ele, O Rato, EXIGIA ordem e disciplina.

“Seus homens!” Isso fez o Rato sentir como se usasse uma medalha de honra. Ele tinha um cérebro inteligente para perceber muitas coisas e sabia que era nessa maneira que Loristan estava achando um “lugar” para ele. E sabia como.

Quando eles chegaram ao Quartel, o Pelotão os cumprimentou com tumultuosas boas-vindas que expressavam uma sensação de alívio. Os membros haviam secretamente se enchido de medo e conversavam juntos em profunda tristeza. Eles chegaram à conclusão que o pai de Marco era grã-fino demais para deixar os dois voltarem depois que viu do que o Pelotão era formado. Talvez esteja pobre somente agora, ricos às vezes perdiam seu dinheiro por um tempo, mas você podia ver o que ele era e pais como ele nunca deixavam seus filhos fazerem amigos com “pessoas como nós”. Ele pararia as manobras e o jogo da “Sociedade Secreta”. Isso é o que faria! Mas O Rato veio rapidamente com suas muletas parecendo que fora feito um general e Marco com ele; e as manobras que o Pelotão fez eram mais exatas e perfeitas do que qualquer outra manobra que haviam feito.

― Gostaria que meu pai pudesse ver isso… ― Marco disse para O Rato. O Rato ficou vermelho, branco e depois vermelho de novo, mas não disse nada. Só pensar nisso era como se um clarão de fogo passasse por ele. Mas ninguém poderia esperar por algo tão grandioso como isso. O Partido Secreto, na sua caverna subterrânea, cercada por pilhas de armas, sentou-se para ler os jornais da manhã.

As notícias da guerra foram tristes de ler. Os Maranovitch seguravam o dia no momento, e enquanto sofriam e faziam crueldades na capital, os Iarovitch sofriam e faziam crueldades nos campos fora da capital. Tão violentos e escuros eram os relatos que a Europa inteira estava espantada.

O Rato dobrou o jornal ao terminar de ler e sentou-se mordendo suas unhas. Feito isso por alguns minutos, começou a falar no dramático e baixo cochicho do Partido Secreto.

― A hora chegou ― disse aos seus seguidores. ― Os mensageiros devem ir adiante. Eles não sabem por que devem ir, só sabem que devem obedecer. Se fossem pegos e torturados, não poderiam trair ninguém em nada porque não sabem de nada a não ser que, em certos lugares, precisam dizer algumas palavras. Não carregam papéis. Precisam decorar todas as ordens. Quando o sinal for dado, o Partido Secreto saberá o que fazer – onde reunir-se e onde atacar.

Ele desenhou seus planos de batalha no pavimento e fez um esboço de uma rota imaginária que os dois mensageiros deveriam seguir. Mas seu conhecimento do mapa da Europa não era muito bom, então virou-se para Marco. ― Você conhece mais sobre geografia do que eu. Você sabe mais do que eu sobre tudo ― ele disse. ― Só sei que a Itália está embaixo e a Rússia está de um lado e a Inglaterra do outro. Como os Mensageiros Secretos poderiam ir até Samávia? Você poderia desenhar os países por onde precisariam passar?

Já que qualquer menino que conhecesse o mapa da Europa poderia fazer a mesma coisa, Marco desenhou. Ele também sabia as estações de trem que os Dois Secretos chegariam e partiriam quando entrassem numa cidade, sabia as ruas que iriam andar e os próprios uniformes que iriam ver; mas dessas coisas nada falou. A realidade que seu conhecimento deu para o jogo era, entretanto, algo sensacional. Ele gostaria de poder ter a liberdade de explicar para O Rato as coisas que sabia e juntos poderiam resolver tantos detalhes da viagem e da possível aventura que seria quase como se realmente começassem sua viagem.

De qualquer forma, o mero esboço da rota inspirou no Rato sua imaginação. Ele continuou a história de aventura enchendo-a com significado misterioso e numa maneira que fez o Pelotão algumas vezes ofegar. Na sua entusiasmada versão, os Dois Secretos entravam em cidades de madrugada e cantavam e mendigavam em portões de palácios onde reis que saíam paravam para escutá-los e lhes era dado o Sinal.

― Nem sempre serão reis, ― ele disse ― às vezes serão as pessoas mais pobres. Talvez Os Secretos estejam disfarçados e pareçam com mendigos iguais a nós mesmos. Um grande nobre talvez esteja vestindo roupas pobres e fazendo de conta que é simplesmente um trabalhador e só poderemos reconhecê-lo pelos sinais que decoramos. Quando formos enviados para Samávia, seremos obrigados a rastejar por alguma parte escondida do país onde nenhuma luta estará acontecendo e onde ninguém começaria a atacar. Os generais deles não são espertos o suficiente para proteger as regiões que são ligadas a países amigáveis e não têm tropas o suficiente. Dois meninos poderiam achar seu caminho para dentro se pensassem bem.

Essa ideia tomou conta dele de tal forma que começou a pensar no caminho naquele instante. Ele desenhou um esboço do mapa de Samávia no pavimento com seu giz. ― Olhe aqui. ― disse para Marco, que enchia o Pelotão com felicidade e estava inclinado entre o círculo fechado de cabeças. ― Beltrazo está aqui e Carnolitz aqui – e aqui está a Jiardásia. Beltrazo e Jiardásia são amigáveis, mas ainda não escolheram de que lado estão. Toda a briga que está acontecendo no país é perto de Melzarr. Não há razão alguma para esses países impedirem viajantes sozinhos de entrar pelas fronteiras de países amigáveis. Eles não estão lutando com países de fora, estão lutando entre si mesmos. ― Ele parou por um momento e pensou.

― O artigo naquele jornal disse algo sobre uma grande floresta na fronteira oriental. Está localizada aqui. Poderíamos ir perambulando pela floresta e ficar lá até planejarmos tudo que queríamos fazer. Até as pessoas que nos vissem se esqueceriam de nós. Precisamos fazer com que as pessoas sintam como se nós não fossemos nada – absolutamente nada.

Todos estavam muito envolvidos, aglomerados todos juntos, inclinando-se para frente, esticando seus pescoços e respirando rapidamente com entusiasmo, quando de repente Marco levantou sua cabeça. Algum conhecimento no seu interior fez com que parasse. ― Olhe lá meu pai! ― ele disse.

O giz caiu, tudo caiu, até a própria Samávia. O Rato estava em pé nas suas muletas antes que soubesse o que estava fazendo. Como ele deu a ordem, ou se realmente deu, ninguém sabe. Mas o Pelotão fez continência.

Loristan estava de pé na entrada da arcada como Marco havia ficado naquele primeiro dia. Ele levantou sua mão direita e fez continência em reconhecimento e veio para frente.

― Estava passando no final dessa rua quando lembrei que o Quartel era aqui ― ele explicou. ― Pensei que gostaria de ver seus homens, Capitão.

Ele sorriu, mas não foi um sorriso que fez de suas palavras realmente uma brincadeira. Ele olhou para baixo para o mapa desenhado com giz no pavimento. ― Você conhece bem esse mapa ― disse. ― Até eu posso ver que é de Samávia. ― O que o Partido Secreto está fazendo?

― Os mensageiros estão tentando achar uma maneira de entrar ― Marco respondeu.

― Nós podemos entrar por ali ― disse O Rato apontando com suas muletas. ― Existe uma floresta lá onde podemos nos esconder e descobrir coisas.

― Fazer reconhecimento da área ― Loristan disse, olhando para baixo. ― Sim. Dois meninos perambulantes estariam muito seguros numa floresta. É um bom jogo.

Quão incrível era que ele iria vim vê-los! Que iria, na sua própria maravilhosa maneira, dar a eles algo como isso. Que iria até se interessar em olhar o Quartel, era nessas coisas que O Rato estava pensando. Eles eram nada mais do que um lote de maltrapilhos e Loristan estava de pé olhando-os com um lindo sorriso. Era algo nele que o fazia parecer esplêndido. O coração do Rato batia fortemente com uma alegria surpreendente.

― Pai, ― Marco disse ― você pode olhar O Rato nos manobrar? Eu quero que você veja como é bem feito.

― Capitão, você me concederá essa honra? ― Loristan disse isso para O Rato e até essas palavras falou na entonação certa, não era sarcástico nem muito sério. Foi por ser naquele tom tão certo que o pulso do Rato batia com exultação. Loristan olhara seus mapas e conversara sobre os planos do Rato e agora viera ver o trabalho dele: seus soldados! O Rato começou suas manobras como se estivesse passando em revista um exército.

O que Loristan viu foi maravilhoso na sua exatidão mecânica.

O Pelotão se movimentava como peças precisas de uma máquina perfeita. O fato de que conseguiam realizar isso com tanta precisão em um espaço tão pequeno era um extraordinário atestado para a eficiência militar e para as qualidades curiosas desse oficial corcunda e sem instrução.

― Isso é magnífico! ― o espectador disse quando terminou. ― Não poderia ser melhor. Permita-me parabenizá-los.

Ele apertou a mão do Rato como se ele fosse um homem e, depois de apertá-la, colocou suas mãos gentilmente no ombro do menino e deixou lá ao conversar um pouco com todos.

Ele manteve sua conversa dentro do tópico do jogo e sua clara compreensão do jogo o deixou com mais gosto e até o membro mais aborrecido se encheu de alegria. Algumas vezes você não entende as intenções dos “ricos” quando dão um golpe de ser amigáveis, mas com certeza você conseguia entendê-lo e ele incendiava seu espírito. Ele também não fazia gracinhas com você como se um menino precisasse ficar sorrindo. Depois de alguns minutos, foi embora. Então eles se sentaram de novo no seu círculo e conversaram sobre ele porque não podiam conversar nem pensar em outra coisa. Eles fixaram seus olhares em Marco furtivamente como se fosse uma criatura de outro mundo por ter vivido com esse homem. Eles ficavam olhando para O Rato também numa maneira nova. Aquela maravilhosa mão havia descansado no seu ombro e foi lhe falado que fizera um trabalho magnífico.

― Quando você disse que gostaria que seu pai visse nossas manobras ― O Rato disse ― você tirou meu fôlego. Eu mesmo nunca tive a ousadia de pensar nisso – e nunca deixaria você perguntar-lhe mesmo se quisesse. E ele mesmo veio! Isso tudo me deixou sem palavras.

― Se ele veio ― Marco disse ― era porque ele queria ver.

Quando terminaram de conversar estava na hora de Marco e O Rato irem. Loristan havia dado ao Rato uma missão. A certa hora ele deveria se apresentar numa certa loja e receber um pacote.

― Deixe fazer sozinho ― Loristan disse para Marco. ― Ele ficará mais contente. Seu desejo é sentir que podemos confiar nele para fazer coisas sozinho.

Então eles se separaram numa esquina, Marco foi de volta para Philibert Place N°7, e o Rato para cumprir sua missão. Marco virou numa das melhores ruas, na qual costumava passar no seu caminho de volta para casa. Não era um quarteirão moderno, mas havia casas respeitáveis nas quais se podia ver aqui e acolá placas bonitas com a palavra “Apartamentos” nas janelas, o que significava que o dono da casa alugava a sala de estar ou de visita para inquilinos.

Ao andar na rua Marco viu alguém sair da porta de uma das casas e andar rapidamente na calçada. Era uma mulher idosa, bem vestida, com um chapéu que aparentava ser de Paris ou de Viena. Ela estava sorrindo com um ar de estrangeiro e foi isso, na verdade, que vez Marco percebê-la. Ele ficou imaginando qual era a nacionalidade dela. Ele pensou que talvez ela fosse Espanhola ou Italiana.

Ele estava tentando imaginar de qual dos dois países ela vinha enquanto ela se aproximava dele, mas de repente ela parou de sorrir quando seu pé pareceu se torcer numa brecha do pavimento e ela perdeu seu equilíbrio, e teria caído se Marco não pulasse para frente e a pegasse.

Ela era leve e frágil e ele era um menino forte e conseguiu segurá-la. Uma expressão de agonia dolorosa e momentânea atravessou a face dela.

― Espero que não esteja machucada ― Marco disse.

Ela mordeu seus lábios e agarrou o ombro dele firmemente com suas mãos tremulas. ― Torci meu tornozelo ― ela disse. ― Tenho receio que torci gravemente. Obrigado por me salvar. Eu teria caído feio.

Os olhos cinzas e penetrantes dela aparentavam serem dóceis e gratos. Ela tentou sorrir, mas estava com tanta angústia ao tentar que Marco temeu que ela se machucara muito. ― Você consegue se apoiar no seu pé? ― ele perguntou.

― Eu posso um pouco agora. ― ela disse ― Mas talvez não conseguirei em alguns minutos. Devo voltar para casa enquanto ainda posso pisar no chão. Desculpe-me. Acho que vou ter que pedir para você vir comigo. Ainda bem que é bem pertinho.

― Sim ― Marco respondeu. ― Vi você saindo da casa. Se você segurar no meu ombro, posso rapidamente levar você para casa. Estou contente em fazer isso. Podemos tentar agora? Fosse ela Espanhola ou Italiana era fácil imaginar que era uma pessoa que nem sempre morara em Londres, nem mesmo em casas ricas.

― Se quiser ― ela respondeu. ― É muito gentil da sua parte. Vejo que você é forte. Mas estou contente que só tenho alguns passos para andar.

Ela apoiou-se nos ombros dele como também no guarda-chuva em sua mão mas era óbvio que cada movimento dava-lhe uma dor tremenda. Ela mordeu os lábios com seus dentes e Marco pensou que ficara branca. Ele não aguentava ver o sofrimento na face dela.

― Sinto muito! ― ele disse ao ajudá-la. A voz de menino havia um tom maravilhosamente simpático como o de Loristan. A mulher idosa também notou isso, e percebeu o quão diferente era da maioria das vozes de meninos.

― Eu tenho as chaves ― ela disse, quando estavam nas escadas.

Ela achou as chaves na sua bolsa e abriu a porta. Marco ajudou-a a chegar à entrada da casa. Ela imediatamente sentou-se numa cadeira que estava ao lado de um cabide. Este lugar era bem simples e velho por dentro.

― Devo tocar a campainha para chamar alguém? Marco inquiriu.

― Pior é que as empregadas foram embora. ― ela respondeu. ― Hoje estão de folga. Você poderia fechar a porta? Serei obrigada a pedir sua ajuda para me ajudar a entrar dentro da sala de estar no final do corredor. Conseguirei achar tudo que precisar – se você gentilmente me der algumas coisas. Alguém deve voltar logo – talvez um dos inquilinos – e mesmo se estiver sozinha por uma hora ou mais, não terá problema.

― Talvez eu possa procurar a proprietária da casa ― Marco sugeriu. A mulher idosa sorriu.

― Ela foi para o casamento de sua irmã. Por isso eu estava querendo gastar o dia fora também. Estava fazendo planos para sua volta. Como você é gente boa! Realmente estarei confortável logo. Consigo ir para minha poltrona na sala de estar já que descansei um pouco.

Marco ajudou-a a se levantar, e sua agonia e involuntária exclamação de dor o fez estremecer por dentro. Talvez torcera o pé mais do que imaginava.

Era uma casa construída no estilo das casas do começo da Inglaterra Vitoriana. Um vestíbulo dava acesso a uma sala de jantar à direita e depois de passar por uma escada estava outro “vestíbulo traseiro” onde havia uma escadaria descendo para uma cozinha no porão e uma sala de estar que olhava para um pátio obscuro e pavimentado fechado por muros altos. A própria sala de estar era meio obscura, mas havia algumas coisas luxuosas entre os móveis comuns. Também havia uma poltrona com uma mesa pequena próximo dela e na mesa estavam uma lâmpada prateada e bugigangas elegantes. Marco ajudou-a a sentar-se na poltrona e pôs uma almofada do sofá debaixo de seus pés. Ele fez isso gentilmente e, quando terminou, levantou-se e viu que os olhos penetrantes e cinzas dela estavam olhando-o curiosamente.

― Devo ir agora ― ele disse ― mas não me sinto bem em deixá-la sozinha. Devo chamar um médico?

― Como você é amável! ― ela disse. ― Mas não preciso de um médico. Sei exatamente o que fazer com um tornozelo torcido. E talvez nem torci. Vou tirar meu sapato para ver.

― Não ― ela disse quando levantou ― Não torci meu tornozelo. Agora que tirei meu sapato e meu pé está descansando na almofada, está muito mais confortável, muito mais. Obrigada, obrigada. Se você não tivesse passando talvez fosse uma queda séria.

― Estou feliz que pude ajudar você ― Marco respondeu com um ar de alívio. ― Devo ir agora se você achar que vai ficar bem.

― Não vá tão cedo ― ela disse esticando a mão. Gostaria de conhecê-lo melhor, se puder. Estou tão grata. Gostaria de conversar com você. Você tem tantos costumes gentis para um menino ― ela terminou com uma risada amigável ― e creio que sei onde os pegou.

― Isso é bem gentil da sua parte ― Marco respondeu, imaginando se não se avermelhara um pouco. ― Mas eu devo ir porque meu pai vai…

― Seu pai deixaria você ficar e conversar comigo ― ela disse ainda mais carinhosamente do que a última vez. ― E foi dele que você herdou seu modo cortês. Ele era um amigo meu. Espero que ainda seja, embora talvez tenha se esquecido de mim.

Tudo que Marco aprendera e tudo que treinara a si mesmo para lembrar-se rapidamente voltou para sua mente porque ele tinha uma mente rápida e clara, e não vivera como um menino comum. Aqui estava uma velha mulher de quem não conhecia nada mais a não ser que torcera seu pé na rua e ele a ajudara a voltar para sua casa. Se silêncio ainda é a ordem, não era para ele saber coisas ou fazer perguntas e nem reponde-las. Mesmo se fosse verdade que a mulher idosa era a mais gentil do mundo e a melhor amiga do seu pai, a melhor maneira que ele poderia servir os dois era obedecendo as ordens do amigo dela com cortesia, não esquecendo nenhuma instrução dele.

― Eu acho que meu pai não se esquece de ninguém ― ele respondeu.

― Não, disso tenho certeza ― ela disse gentilmente. ― Ele foi para a Samávia nos últimos três anos?

Marco parou por um momento. ― Talvez eu não seja o menino que você pensa que sou ― ele disse. ― Meu pai nunca esteve em Samávia.

― É mesmo? Mas… você é Marco Loristan?

― Sim. Esse é meu nome.

De repente ela inclinou-se para frente e seus olhos cinzas encheram-se de fogo. ― Então você é um samaviano, e você sabe dos desastres que nos oprimem. Você sabe de todas as coisas terríveis e cruéis que estão acontecendo. O filho de seu pai deve saber disso tudo!

― Todo mundo sabe ― Marco disse.

― Mas é seu país – seu próprio país! Seu sangue deve queimar nas suas veias!

Marco não se mexeu e olhou para ela. Seus olhos disseram se seu sangue queimava ou não, mas não disse nada. Seu olhar era resposta suficiente, já que não queria falar nada.

― O que seu pai pensa? Eu sou uma samaviana, e penso noite e dia. O que ele pensa do boato sobre o descendente do Príncipe Perdido? Ele acredita nele?

Marco estava pensando rapidamente. A face idosa dela estava cheia de emoção e sua voz gentil tremia. Que ela fosse uma samaviana e amasse Samávia e derramasse seu sentimento até para um menino, era muito comovente para ele. Mas seja quanto for que alguém fosse comovido, deveria lembrar que silêncio ainda é a ordem. Quando se é bem jovem, deve-se lembrar das ordens primeiro.

― Talvez seja somente uma história de jornal ― ele disse. ― Ele diz que pessoas não podem confiar em coisas assim. Se você o conhece, saberá que é bem calmo.

― Ele tem lhe ensinado a ser calmo também? ― ela disse pateticamente. ― Você é somente um menino. Meninos não são calmos. Nem mulheres quando seus corações estão quebrados. Oh, minha Samávia! Oh, meu pobre pequeno país! Meu país corajoso e torturado! ― e com um repentino soluço ela cobriu seu rosto com as mãos.

Marco sentiu um grande nó na garganta. Meninos não gostam de chorar, mas ele sabia o que ela queria dizer quando falou que seu coração estava quebrado.

Quando ela levantou sua cabeça de novo, as lágrimas nos olhos os faziam mais gentis. ― Se eu fosse um milhão de samavianos em vez de uma única mulher, saberia o que fazer! ― ela exclamou. ― Se seu pai fosse um milhão de samavianos, ele saberia o que fazer também. Ele acharia o descendente de Ivor, se estiver na terra, e acabaria com todo esse terror!

― Quem não acabaria com isso se pudesse? ― Marco exclamou quase furiosamente.

― Mas homens como seu pai, homens que são samavianos, devem pensar noite e dia sobre isso como eu e você ― ela insistiu impetuosamente. ― Você vê como nem consigo me controlar e falo meus pensamentos para um menino – porque ele é um samaviano. Só samavianos se importam. Samávia é muito pequena e insignificante para outras pessoas. Eles não parecem saber que o sangue que ela derrama é de veias e corações de humanos. Homens como seu pai devem pensar, planejar e sentir que eles devem – devem achar um meio. Até uma mulher sente. Até um menino deve. Stefan Loristan não pode estar sentado quieto na sua casa, sabendo que corações samavianos estão sendo baleados e sangue samaviano está sendo derramado. Ele não pode ficar pensando e não dizer NADA!

Marco foi surpreendido, mesmo sendo como era. Ele sentiu como se seu pai fosse batido no rosto. Como ela ousava falar essas palavras!? Grande como ele era, de repente ficou maior, e a velha mulher viu isso.

― Ele é meu pai ― ele falou pausadamente.

Ela era uma pessoa velha esperta e percebeu o grande erro que cometera. ― Por favor, perdoe-me ― ela exclamou. ― Eu usei as palavras erradas porque estava agitada. Você deve ver que o que eu queria dizer era que sabia que seu pai estava dando o seu coração e força inteira, seu ser inteiro para Samávia mesmo que deva ficar em Londres.

Ela se surpreendeu e virou sua cabeça para ouvir o barulho de alguém usando as chaves para abrir a porta da frente. A pessoa entrou com um passo pesado de um homem. ― É um dos inquilinos ― ela disse. ― Acho que é o que mora na sala de estar do terceiro andar.

― Então não estará só quando eu for. ― disse Marco. ― Estou feliz que alguém veio. Então direi bom dia. Posso falar para meu pai o seu nome?

― Diga-me que não está irado comigo por eu ter me expressado tão desajeitadamente ― ela disse.

― Você não quis dizer aquilo. Eu sei disso. ― Marco respondeu como menino. ― Você não quis.

― Não, não quis ― ela repetiu com a mesma ênfase nas palavras.

Ela retirou seu cartão de um estojo prateado na mesa e deu para ele. ― Seu pai irá se lembrar do meu nome ― ela disse. ― Espero que ele deixe eu vê-lo e falar-lhe sobre como você cuidou de mim.

Ela apertou as mãos dele calorosamente e depois o deixou ir. Mas assim que ele chegou na porta ela falou de novo. ― Ah, posso pedir para você fazer mais uma coisa antes de me deixar? ― ela disse de repente. ― Espero que não se importe. Você poderia subir rapidamente a escada para a sala de visitas e me trazer um livro roxo que está na mesa pequena? Não me sentirei só se tiver algo para ler.

― Um livro roxo? Numa mesa pequena? ― disse Marco.

― Entre as duas janelas longas ― ela sorriu de volta para ele.

A sala de visitas nesses tipos de casas sempre é alcançada depois de alguns degraus e Marco subiu levemente.

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