A TROMPA DE PRATA

1915

Durante a próxima semana, a qual gastaram viajando para Viena, eles deram o Sinal para três pessoas diferentes em lugares que estavam no caminho. Numa aldeia perto da fronteira em Baviera, acharam um enorme senhor de idade sentado num banco debaixo de uma árvore em frente a sua “Gasthaus” ou hospedaria; e quando as quatro palavras foram ditas, ele ficou em pé e tirou seu chapéu como o guia fizera. Quando Marco dava o Sinal em um lugar quieto e afastado para um homem que estava sozinho, percebia que todos faziam isso e diziam: “Deus seja louvado”.

Numa pequena cidade há algumas milhas ele teve que procurar por algumas horas antes de achar um jovem e robusto sapateiro com cabelo vermelho vivo e uma cicatriz em forma de ferradura em sua testa. Ele não estava em sua oficina quando os meninos passaram pela primeira vez porque, como descobriram mais tarde, ele estivera escalando uma montanha no dia anterior, e a descida fora retardada porque seu companheiro se machucara. Quando Marco entrou e pediu-lhe que tirasse sua medida para comprar um par de sapatos, ele foi amigável e contou-lhes tudo sobre o que ocorrera.

― Há alguns bons sujeitos que não deviam escalar. ― ele disse. ― Quando se veem em pé em um pedaço de rocha saliente por cima do vazio, suas cabeças começam a rodopiar – e então, se não caem de pernas para o ar de algumas centenas de metros, é porque algum camarada está perto o suficiente para puxá-los de volta. Então não pode haver cerimônias e eles algumas vezes se machucam – como aconteceu com meu amigo ontem.

― Você nunca se machucou? ― O Rato perguntou.

― Quando eu tinha oito anos isso aconteceu. ― disse o jovem sapateiro, tocando a cicatriz em sua testa. ― Mas não foi muito. Meu pai era um guia e me levou consigo. Ele queria que eu começasse cedo. Não há nada como escalar. Eu voltarei a fazê-lo. Isso não dá para mim. Tentei ser um sapateiro, mas não deu certo. Estou feliz por isso. Uma vez um guia, sempre um guia. Ele se ajoelhou para medir o pé de Marco, e este se inclinou um pouco à frente.

― A Lâmpada Está Acesa. ― ele disse.

Não havia ninguém na sapataria, mas a porta estava aberta e as pessoas estavam passando na rua estreita; então o sapateiro não levantou sua cabeça ruiva. Ele continuou medindo.

― Deus seja louvado! ― ele disse, em voz baixa. ― Você quer realmente esses sapatos, ou só queria que eu tirasse sua medida?

― Não posso esperar até que estejam prontos. ― Marco respondeu. ― Devo partir.

― Sim, você deve partir. ― respondeu o sapateiro. ― Mas vou lhe dizer o que vou fazer – vou fazê-los e guardá-los. Algum grande dia pode chegar quando mostrarei para as pessoas e os ostentarei. Ele deu uma olhada ao redor cautelosamente, e então finalizou, ainda curvado pela medição. ― Eles serão chamados de os sapatos do Portador do Sinal. E eu direi “Ele era apenas um rapaz. Esse era o tamanho de seu pé.” ― então ele ficou de pé com um grande sorriso. ― Agora haverá escaladas suficientes para serem feitas, ― ele disse ― e eu espero ver vocês dois novamente em algum lugar.

Quando os meninos partiram, conversaram sobre o assunto.

― O cabeleireiro não queria ser cabeleireiro, e o sapateiro não queria fazer sapatos. ― disse O Rato. ― Os dois queriam ser alpinistas. Há montanhas em Samávia e montanhas no caminho para lá. Você me mostrou no mapa.

― Sim; e mensageiros secretos que podem escalar em qualquer lugar, e atravessar lugares perigosos, e explorar lugares que ninguém mais pode alcançar, podem descobrir coisas e dar os sinais que outros homens não podem. ― disse Marco.

― Isso foi o que eu pensei. ― O Rato respondeu. ― Era isso que ele queria dizer quando disse “Agora haverá escaladas suficientes para serem feitas”.

Estranhos eram os lugares para os quais eles foram e curiosamente diferentes umas das outras eram as pessoas para quem levavam a mensagem. A mais singular de todas era uma senhora de idade que vivia num lugar tão remoto que a estrada, a qual dava voltas e voltas na montanha, dava suas voltas por milhas e milhas. Não era uma estrada ruim e era maravilhoso viajar nela, puxado numa pequena carroça por uma mula, quando se podia ser puxado, e subir lentamente com descansos quando não se podia: os três precipícios encobertos se viam abaixo, a brancura agitada das cachoeiras, ou o verde espumante de rios impetuosos, e a imensidão de planícies de fazendas e aldeias espalhadas até o pé de outras montanhas que os cercavam, eram belezas empolgantes de se olhar lá de cima, enquanto a estrada subia e davas voltas e voltas, para mais alto e mais alto.

― Como alguém pode morar num lugar mais alto que esse? ― disse O Rato enquanto se sentavam no grosso musgo à margem da estrada depois que a mula e a carroça os deixara. ― Veja os rochedos descobertos aparecendo lá em cima. Vamos olhar para ela de novo. No desenho dela parecia que ela tinha cem anos.

Marco pegou seu esboço escondido. Parecia de fato uma das coisas mais estranhas no mundo que uma criatura tão velha como essa conseguisse alcançar tal lugar, ou, tendo alcançado, nunca pudesse descer para o mundo novamente para socorrer qualquer pessoa ou coisa.

Sua velha face era atravessada e re-atravessada por mil rugas. Porém seu perfil era esplêndido. Seus olhos eram como os de uma águia – e não os de uma águia velha. E tinha um longo pescoço que segurava sua velha cabeça de forma ilustre.

― Como ela conseguiu chegar lá? ― exclamou O Rato.

― Aqueles que nos enviaram sabem, embora nós não. ― disse Marco. ― Você vai se sentar aí e descansar enquanto eu continuo?

― Não! ― O Rato respondeu resolutamente. ― Não me treinei para ficar para trás. Mas logo chegará onde a trilha é somente rochas e então serei obrigado a parar. ― e ele disse esse final amargamente. Ele sabia que, se Marco tivesse vindo sozinho, não teria pegado carroça, iria em marcha penosa para cima e adiante firmemente até o fim de sua jornada.

Mas eles não chegaram aos rochedos, o que haviam pensado ser inevitável. De repente a meio caminho do céu, assim parecia, eles chegaram a uma curva na estrada e se viram entrando em um novo mundo verde – uma extraordinária maravilha do mundo, com declives verde-aveludados e suaves campinas e floresta rústica, e vacas se alimentando em pastos de veludo, e – como se tivesse caído como neve das grandes rochas da montanha, que ainda se elevavam acima, nos céus – uma misteriosa, antiga e amontoada aldeia que, tendo daquela maneira caído das rochas, deve ter sido capturada entre as rochas e lá descansava para sempre.

Lá ela ficava. Lá ela se aninhava. E as montanhas no azul acima a olhavam de lá como se ela fosse uma coisa incrível – aquele agrupamento de ninhos humanos antigos com tetos inclinados como os de chalés e sacadas salientes, que pareciam ser há mil milhas de distância do resto do mundo. Marco e O Rato pararam e a observaram com olhos fixos. Então se sentaram e continuaram olhando fixamente.

― Como isso chegou aqui? O Rato exclamou.

Marco balançou a cabeça. Ele claramente não conseguia ver explicação para a existência daquele povoado ali. Talvez algumas das aldeias mais velhas podiam contar histórias de como os primeiros chalés haviam se juntado.

Um velho camponês veio descendo um caminho íngreme guiando uma vaca. Ele olhou com pouca curiosidade para O Rato e suas muletas; quando Marco avançou e falou com ele em alemão, ele não parecia entender, mas balançou sua cabeça dizendo algo em algum tipo de dialeto que Marco não conhecia.

― Se todos falam assim, vamos ter que fazer sinais para perguntar as coisas. ― O Rato disse. ― Qual língua ela fala?

― Ela vai saber alemão para o Sinal ou não seríamos enviados para cá. ― respondeu Marco. ― Vamos!

Eles puseram-se a caminho para a aldeia, que se amontoava evidentemente com o objetivo de se manter aquecida quando através dos meses de inverno as neves esforçavam-se para enterrá-la e os ventos rugiam dos enormes rochedos acima e tentavam arrancá-la de entre suas rochas. As portas e janelas eram poucas e pequenas, e os interiores das casas vistos de relance mostravam pisos de terra e cômodos escuros. Claramente era considerado mais confortável viver sem luz do que deixar o frio entrar.

Era fácil fazer um reconhecimento do local. As poucas pessoas que eles viram evidentemente não se surpreendiam que os forasteiros que descobriam sua inesperada existência ficassem curiosos e quisessem observar eles e suas casas.

Os meninos vagueavam como se fossem exploradores fortuitos, que, tendo alcançado o lugar por acaso, estavam interessados em tudo que viam. Eles entraram na pequena Gasthaus (hospedaria) e compraram pão preto, linguiça e leite. O dono montanhês eram um sujeito musculoso que entendia um pouco de alemão. Ele lhes contou que poucos forasteiros conheciam a aldeia, mas caçadores e alpinistas corajosos vinham por esporte. Nas florestas à beira das montanhas havia ursos, e nos lugares altos, camurças17. De vez em quando, alguns cavalheiros importantes vinham em um grupo do tipo audacioso – cavalheiros muito importantes de fato, ele disse, balançando a cabeça com orgulho. Havia um que tinha castelos em outras montanhas, mas gostava mais de vir a essa. Marco começou a se perguntar se várias coisas estranhas não seriam verdadeiras já que cavalheiros importantes algumas vezes escalavam o lugar misterioso. Mas ele não fora enviado para dar o Sinal a um grande cavalheiro. Fora enviado para dá-lo a uma velha mulher com olhos de águia, os quais eram jovens.

Ele tinha um esboço em sua manga, no qual estavam desenhadas sua face e sua casa com telhado muito inclinado, com vigas pretas e com uma sacada. Se andassem um pouco, eles certamente chegariam à casa naquele lugar minúsculo. Então ele poderia entrar e pedir-lhe um copo de água.

Eles perambularam por uma hora depois que saíram do Gasthaus. Eles vagaram para lá e para cá e andaram através dos agrupamentos amontoados de casas, examinando cada uma enquanto se aproximavam e passavam.

― Eu achei! O Rato exclamou finalmente. ― É aquela casa de aparência velha que fica um pouco afastada das outras. Não está tão dilapidada quanto a maioria. E há algumas flores na sacada.

― Sim! É essa mesmo! ― Marco disse.

Eles se aproximaram da porta preta e baixa e, ao parar na soleira, Marco tirou seu chapéu. Ele fez isso porque, na entrada, numa cadeira baixa, a mulher muito idosa com os olhos de águia estava sentada fazendo tricô.

Não havia ninguém mais no cômodo e ninguém à vista. Quando a mulher muito idosa olhou para ele com seus jovens olhos de água, mantendo sua cabeça elevada em seu longo pescoço, Marco soube que não havia necessidade de pedir nem água nem coisa alguma.

― A Lâmpada está acesa. ― ele disse, baixa porém claramente com sua voz jovem.

Ela deixou cair o tricô em seus joelhos e fitou-o por um momento em silêncio. Evidentemente ela sabia alemão, pois foi em alemão que ela respondeu.

“Deus seja louvado!” ― ela disse. ― Entre, jovem Portador do Sinal, e traga seu amigo com você. Eu moro sozinha e nem uma alma está ao alcance da voz.

Ela era uma mulher maravilhosa. Nem Marco nem O Rato viveriam o suficiente para esquecer as horas que passaram em sua casa estranha e escura. Ela cuidou deles e os convidou para passarem a noite lá.

― Aqui é seguro. ― ela disse. ― Eu moro sozinha desde que meu marido caiu no desfiladeiro e morreu porque sua corda se partiu quando ele tentava salvar seu camarada. Então eu tenho dois quartos a mais e às vezes alpinistas ficam felizes em dormir neles. Minha casa é boa e quente e eu tenho renome na aldeia. Você é muito jovem. ― ela acrescentou balançando sua cabeça. ― Você é muito jovem. Você deve ter bom sangue em suas veias para ser confiado com isso.

― Eu tenho o sangue do meu pai ― Marco respondeu.

― Você parece com alguém que eu já vi antes ― a mulher idosa disse e seus olhos de águia fixaram-se firmemente nele. ― Diga-me o seu nome.

Não havia razão para que ele não devesse contar-lhe.

― É Marco Loristan ― ele disse.

― O quê! É isso! ― ela exclamou, não em voz alta, mas baixa.

Para a surpresa de Marco ela se levantou da cadeira e ficou de pé na frente dele. Foi neste momento que ele percebeu quão alta e velha a mulher realmente era. Havia um olhar surpreso, e até agitado, na sua face. E de repente ela de fato fez um tipo de reverência para ele – dobrando seus joelhos como camponeses fazem quando passam por alguém da realeza.

― É isso! ― ela disse de novo. ― E ainda assim eles ousaram deixar você sair numa jornada como essa! Isso demonstra a sua coragem… e a deles.

Mas Marco não sabia a que ela estava se referindo. Sua estranha reverência o fez sentir desajeitado. Ele ficou em pé porque seu treinamento o dissera que quando uma mulher fica em pé um homem também se levanta.

― O nome mostra coragem, ― ele disse ― porque é do meu pai.

Ela observou-o quase aflita.

― Você nem sabe! ― ela suspirou – e isso era uma exclamação, não uma pergunta.

― Sei o que foi-me dado a fazer ― ele respondeu. ― Eu não pergunto mais nada.

― Quem é ele? ― ela perguntou, apontando para O Rato.

― Ele é o amigo que meu pai mandou comigo ― Marco disse sorrindo. ― Meu pai o chamou de ajudante-de-campo. Era um tipo de brincadeira porque brincávamos de soldados juntos.

Era como se ela fosse obrigada a juntar seus pensamentos. Ela ficou em pé com sua mão na boca, olhando para o chão de terra.

― Deus o proteja! ― ela disse finalmente. ― Você é muito, muito jovem! Depois de alguns momentos ela adicionou. ― Você não vai se sentar até que eu me sente?

― Não. ― Marco respondeu. ― Eu não me sentaria enquanto minha mãe ou minha avó estivesse em pé.

― Então eu devo me sentar – e esquecer. ― ela disse.

Ela passou a mão sobre sua face como se estivesse removendo sua repentina e confusa preocupação em sua expressão. E então sentou-se como se estivesse obrigando a si mesma a tornar-se de novo a velha camponesa que era quando eles entraram.

― Todo o caminho subindo a montanha vocês se perguntaram por que o Sinal deveria ser dado a uma mulher idosa. ― ela disse. ― Vocês perguntaram um ao outro como ela poderia ajudar.

Nem Marco nem O Rato falou.

― Quando eu era jovem e bem-disposta ― ela continuou. ― Fui a um castelo no outro lado da fronteira para ser a mãe de criação de uma criança nascida um grande nobre – uma criança que estava perto do trono. Ele me amou como sua própria mãe. Era uma criança forte e se tornou um grande caçador e escalador. Ele nem tinha dez anos de idade quando meu marido o ensinou a escalar. Ele sempre amou essas montanhas mais do que as do seu país. Ele vem me ver como se fosse somente um jovem alpinista. Ele dorme naquele quarto lá. ― e ela fez um gesto por cima dos seus ombros para a escuridão. ― Ele tem grande força e, se decidir fazer algo, não há nada que o pare – ele atacaria o maior urso ou escalaria o pico mais perigoso. Ele é quem pode realizar as coisas. É muito seguro conversar neste quarto.

Então tudo ficou bem claro. Marco e O Rato entenderam.

Nada mais foi dito sobre o Sinal. Foi dado e isto era o suficiente. A mulher idosa disse que deveriam dormir em um de seus quartos. Na manhã seguinte um de seus vizinhos desceria para o vale com uma carroça e os ajudaria em seu caminho. Depois de Marco traduzir isso, O Rato soube que ela estava pensando sobre suas muletas e ficou impaciente.

― Diga para ela. ― ele disse para Marco. ― Como me treinei até conseguir fazer o que qualquer pessoa consegue fazer. E diga também que eu estou ficando mais e mais forte a cada dia. Diga para ela que posso mostrar-lhe o que posso fazer. Seu pai não deixaria eu vir com você como seu ajudante se eu não provasse à ele que eu não era um aleijado. Diga para ela. Ela pensa que não sirvo para nada.

Marco explicou e a mulher idosa escutou atentamente. Quando O Rato levantou-se e moveu-se para cima e para baixo no caminho íngreme perto da sua casa ela pareceu aliviada. Sua extraordinária agilidade e movimentos rápidos e firmes evidentemente surpreenderam-na e deu-lhe uma confiança que ela não havia sentido no começo.

Se ele se ensinou para ser assim só por causa do amor a seu pai, ele irá até o fim ― ela disse. ― É mais do que alguém pode acreditar, que um par de muletas poderia fazer tantas coisas.

O Rato sossegou-se e depois poderia se entregar a vigiá-la tanto quanto desejava. Ele logo estava “processando” certas coisas na sua mente. O que ele observava era a maneira dela de olhar para Marco. Era como se ela estivesse fascinada e não conseguisse tirar os olhos dele. Ela contou histórias sobre as montanhas e os estrangeiros que vinham escalar com guias ou para caçar. Contou a eles sobre as tempestades, as quais às vezes pareciam que acabariam com o pequeno mundo entre os rochedos. Descreveu o inverno quando a neve os enterrava e como os fortes ficavam contentes em desenterrar os fracos e alguns viviam por dias debaixo da grande massa de brancura macia, contentes de ter suas vacas ou cabras nos seus quartos para que pudessem compartilhar o calor. Os vilarejos ficavam contentes em serem bons vizinhos um para o outro, pois o homem que desenterrou uma chaminé escondida ou uma porta enterrada podia precisar de ajuda na próxima semana. Portanto, a pior parte do inverno era que nenhuma criatura dos vales abaixo conseguia chegar a eles para ver se estava tudo bem.

Enquanto falava, ela olhava para Marco como se sempre estivesse se perguntando algo sobre ele. O Rato percebeu que ela fazia-o lembrar de Lázaro mais de uma vez. Quando serviu o jantar da tarde, ela insistiu em servi-lo com uma certa cerimônia respeitosa. Ela não se sentaria à mesa com ele, e O Rato começou a perceber que ela sentia que ele também deveria estar em pé para servi-lo.

― Ela pensa que eu deveria ficar em pé atrás de sua cadeira como Lázaro fica atrás do seu pai. ― ele disse para Marco. ― Talvez um ajudante devesse fazer isto. Devo fazer? Creio que agradaria ela.

― Um Portador do Sinal não é uma pessoa da realeza. ― respondeu Marco. ― Meu pai não gostaria – então eu não devo. Somos simplesmente meninos.

Foi muito maravilhoso quando, depois que o jantar deles acabou, os três sentaram juntos em frente ao fogo.

A brasa vermelha incandescente da madeira-carvão e a chama laranja-amarela dos grandes toros encheu o quarto com uma luz calorosa que criou um fundo alegre para a figura da mulher idosa sentada na sua cadeira contando-lhes mais e mais histórias cativantes.

Seus olhos como os de águias brilhavam e seu pescoço longo segurava sua cabeça esplendidamente alta ao descrever grandes façanhas de coragem e persistência em ajudar aqueles em terrível perigo e, quando brilhava o máximo ao contar a história, eles sempre sabiam que o herói da aventura fora seu filho de criação, que era um nenê nascido um grande nobre e próximo ao trono. Para ela, ele era o mais esplêndido e admirável ser humano. Quase um imperador, mas tão amoroso e compassivo que nunca esqueceu dos longos dias passados quando ela o segurava em seus joelhos e contava histórias de caça de camurças e ursos nos picos de montanhas no meio do inverno.

― Sim! Sim! ― ela disse. ― Ele me chama de mãe. E eu asso para ele um bolo na lareira como eu fazia quando ele tinha dez anos de idade e meu marido estava ensinando-o a escalar. E quando escolhe que deve fazer algo – feito está! Ele é um grande nobre.

As chamas estavam se apagando e uma grande camada de brasas vermelhas fez o quarto brilhar e eles estavam pensando em ir para cama quando a mulher idosa de repente alertou-se, virando sua cabeça como se estivesse tentando ouvir.

Marco e O Rato não ouviram nada, mas perceberam que ela ouvira e sentaram-se tão quietos que seguraram a respiração. Então houve silêncio total por alguns minutos. Silêncio total.

Então ouviram algo – um som claro e prateado, penetrando o ar puro das montanhas.

A mulher idosa pulou para os pés com um fogo de gozo nos seus olhos.

― É a trompa de prata! ― Ela gritou batendo as mãos juntas. ― É o próprio chamar dele para mim quando está vindo. Ele esteve caçando em algum lugar e quer dormir na sua cama boa aqui. Ajude-me a colocar mais madeira no fogo para que ele veja as chamas pela porta aberta ao entrar.

― Devemos permanecer aqui? ― Marco disse. ― Nós podemos ir agora.

Ela estava indo na direção da porta para abri-la, mas parou um momento e virou.

― Não, não! ― ela disse. ― Ele deve ver sua face. Ele vai querer ver sua face. Eu quero que veja – quão jovem você é. ― Ela abriu a porta totalmente e eles ouviram a trompa de prata emitir sua chamada claramente de novo. Os gravetos que O Rato havia jogado na brasa estalaram e cintilaram e rugiram em chamas grandes que jorraram sua luz para a rua e realçou a velha figura que estava de pé na porta e parecia tão alta.

Em apenas alguns minutos seu grande nobre veio até ela. E com o seu traje de caça ele era tão esplendido como ela havia falado. Ele era grande e tinha a aparência de um nobre, e rindo ajoelhou-se e beijou ela como se fosse seu próprio filho.

― Sim, mãe. ― Marco ouviu-o dizer. ― Eu quero minha cama confortável e uma de suas comidas deliciosas. Mandei os outros para o “Gasthaus”.

Ele entrou no quarto que estava refletindo as brasas vermelhas incandescentes e sua cabeça quase tocava as vigas de madeira. Então viu os dois meninos. ― Quem são estes, mãe? ― ele perguntou.

Ela levantou a mão dele e a beijou. ― Eles são os Portadores do Sinal. ― ela disse ternamente. ― A Lâmpada Está Acesa!

Então a face dele inteira mudou. Sua face sorridente tornou-se bastante séria e por um momento pareceu até preocupado. Marco sabia que isso era por ele estar surpreso de serem somente meninos. Ele deu um passo à frente para olhá-los mais de perto.

― A Lâmpada Está Acesa! E vocês dois levam o Sinal! ― ele exclamou. Marco ficou em pé perto da luz do fogo para que pudesse vê-lo bem. Ele fez continência com respeito.

― Meu nome é Marco Loristan, Alteza. ― ele disse. ― E meu pai me enviou.

A mudança que veio sobre a face dele era ainda maior do que no começo. Por somente alguns segundos Marco chegou a sentir que ele tinha um olhar de alarme. Mas quase de repente passou.

― Loristan é um grande homem e um grande patriota. ― ele disse. ― Se ele o enviou, é porque sabe que você é o único mensageiro seguro. Ele tem trabalhado muito tempo para Samávia para não saber o que faz.

Marco fez continência de novo. Ele sabia o que seria certo falar depois. ― Se tivermos a permissão da sua Alteza para nos retirarmos, ― ele disse ― o deixaremos e iremos para cama. Desceremos a montanha ao raiar do sol.

― Para onde agora? ― perguntou o caçador, olhando para ele com profunda curiosidade.

― Para Viena, Alteza. ― Marco respondeu.

O questionador estendeu a mão ainda com profundo interesse nos seus olhos.

― Boa noite, bom rapaz ― ele disse. ― Samávia precisa gloriar-se no seu Portador do Sinal. Que Deus vá com você.

Ele ficou em pé olhando para Marco enquanto este ia para o quarto no qual ele e seu ajudante-de-campo dormiriam. O Rato o seguiu de perto. Na pequena porta de trás, a mulher muito idosa estava em pé, tendo aberto a porta para eles. Ao passar e dizer boa noite, Marco notou que ela fez de novo a estranha reverência de dobrar o joelho enquanto ele passava.

17Camurça (Rupicapra rupicapraé) é um tipo de caprino-alce da montanha que é nativo dos Alpes. Back

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